Sabemos que a fé será um tema importante em Vicenta B ao analisar a primeira imagem que vemos no filme: uma vela acesa próxima a estátuas de adoração, sejam elas de santos ou indígenas.
Vicenta Bravo é uma mulher com cerca de quarenta anos e que possui a habilidade de ler cartas de baralho para orientar pessoas da comunidade cubana em que vive. Após a mudança e saída do filho de casa, ela passa a ter que conviver sozinha com o desafio da solidão e do súbito desaparecimento do dom que tinha.
A direção de Carlos Lechuga movimenta a câmera em planos elegantes. Os movimentos laterais durante as sessões de consulta, por exemplo, servem para dar a dimensão e detalhes da casa de Vicenta, que possui nas paredes rachadas fotografias antigas.
Na primeira leitura de cartas, quando somos apresentados à protagonista, a câmera permanece estática nas cartas e nas mãos de Vicenta, para somente depois se mover ao rosto da mulher. Situação diferente se mostra quando Vicenta perde a habilidade com as cartas: nesse momento, câmera fica um tanto quanto trêmula, a fim transparecer nervosismo e insegurança do momento.
Vicenta sofre, mas isso não é demonstrado com diálogos expositivos ou choros copiosos. A montagem se encarrega de passar a mensagem, por exemplo, ao sair de uma Vicenta reflexiva deitada em uma rede e cortar para uma estátua sem cabeça e sem mãos em uma praça.
Parafraseando Caetano Veloso e Gal Costa na versão composta de Negro Amor, quando a música indica que “até o tapete sem você voou”, em um plano geral de uma Vicenta solitária, uma cadeira vazia cai. Em outro, é a bicicleta que vai ao chão.
Essa habilidade estética e de simbolismos ajuda a construir a vulnerabilidade de Vicenta. A trilha sonora discreta, quase inexistente, colabora para o tom intimista e misterioso do projeto.
Em dado momento, ao procurar ajuda com Tata, uma espécie de mestre mais experiente, a protagonista diz não entender os mais jovens (o filho não dá notícias, outra personagem faz questão de se machucar), ao mesmo tempo que os antepassados pararam de falar com ela. Passado e futuro não mais se encontram para Vicenta e isso a angustia.
A jornada de esforços para reconciliar os dois mundos agrada. Em um final não necessariamente aberto, os símbolos iniciais voltam a habitar a casa de maneira mais forte e Vicenta entende, até historicamente, a importância desses antepassados, santos e indígenas, em um sincretismo que ajudou muitos a seguir em frente e agora pode voltar a ajudá-la.
A mudança não é explícita, mas perceptível. Vicenta pode até estar sozinha no último plano do filme, mas dessa vez nenhuma cadeira ou bicicleta desequilibra. Nada cai ao lado dela.
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