No período feudal, servos e senhores mantinham uma relação de vassalagem na qual o mais fraco dependia daquele com maior poder econômico. No Brasil pós-escravatura, “ex-proprietários” de escravos utilizavam-se de injustas estratégias para continuarem exercendo poder sobre aquelas pessoas, tais como aceitar a liberdade imposta pela lei, mas cobrar dívidas impagáveis como forma de manter as amarras.

Hoje vivemos em um mundo livre. Em teoria, a ideia que se vende é que, pagando o preço correto, se pode ir para quase todo lugar, a quase todo momento. O filme Vacío encara essa liberdade com desconfiança, porque os mesmos senhores e detentores do poder ainda utilizam das mesmas estratégias do passado, buscando enganar quem procura a alforria.

Lei (Jing Fu) e Wong (Lidan Zhu) estão imigrando ilegalmente da China para o Equador. A mulher quer ficar em Guaiaquil apenas de passagem, utilizando a cidade como trampolim para chegar ao verdadeiro destino sonhado: Nova Iorque. Já Wong chega ao Equador com intenção de levar o filho da China para o país sul-americano e começar uma nova vida por lá.

Levados da Ásia para o Equador dentro de um contêiner, a fotografia escura faz bonitas composições com as sombras nas primeiras imagens do filme, mas é contraposta à luz da abertura da porta na chegada, que rasga de surpresa os olhos de quem tentava descobrir quem eram aquelas pessoas. Há um inesperado flerte com o thriller durante a perseguição da polícia aos imigrantes ilegais.

Estabelecidos no novo país, os dois asiáticos conhecem Chang (Day Min Meng), que funciona como uma espécie de atravessador, arrumando trabalhos para outros imigrantes e prometendo oportunidades. Ele seria o detentor do poder, alguém que manipularia os mais fracos para satisfazer os próprios interesses.

É curioso como a direção consegue captar a expressão ameaçadora do olhar do ator de forma poderosa em certos momentos (vide a cena de conversa entre Chang e Lei no restaurante), mas peca muito ao tentar fazer com que o personagem tenha uma fisicalidade desnecessária. Quando Chang avança pra cima de Wong, não há intimidação nenhuma e isso se deve em muito pela falta de inventividade e insistência nos planos longos.

Na conexão Fortaleza-Guayaquil, Victor (Ricardo Velasteguí), talvez o único personagem equatoriano da trama, leva Lei para comer caranguejo da mesma forma como se come no Nordeste brasileiro. Ele, aliás, traz leveza a trama com um humor que quebra o tom mais fechado do trio de protagonistas.

Mas há também humor involuntário. A montagem faz um corte seco de uma fala mais séria entre dois personagens para um “ele é um canalha” que soa engraçado. Acontece que tudo isso é mostrado sob o som de uma trilha de tensão. Ué, mas era pra ser engraçado ou sério?

Dentre essas confusões, o plano final esboça o abandono emocional causado pelo vácuo da falta de oportunidades. “Esboça” porque o filme mais parece um rascunho de uma boa ideia, mas que foi desenvolvida de uma forma um tanto quanto bagunçada.


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ESQUEÇA A MARVEL!

Messias Adriano
Concluiu cursos ministrados por Pablo Villaça e o Curso Básico de Cinema da Casa Amarela (Universidade Federal do Ceará). Assiste muitos filmes, lê muito sobre cinema. Embora saiba que pra vencer importa mais campanha do que qualidade, sempre se empolga com temporadas de premiação.