“Uma Família Feliz” conta a história de Eva e Vicente (Grazi Massafera e Reynaldo Gianecchini), um casal de classe média-alta que possui duas filhas amorosas. Entretanto, após dar à luz ao terceiro filho da família, casos estranhos começam a acontecer ao seu redor. Da mesma forma como outras obras se utilizam da depressão como metáfora para exploração do terror ou suspense, o novo longa do diretor José Eduardo Belmonte foca nas consequências pós-parto da mulher.

A atriz Grazi Massafera compõe a mãe com poucas facetas, mas que são suficientes para dar profundidade ao próprio sentimento real. Eva é uma mulher aparentemente normal, mas quando o suspense invade a sua vida, a personagem se apresenta de uma forma diferente. Em momentos de desespero, Massafera olha pouco diretamente nos olhos dos indivíduos e, ao invés disso, revela desorientação e desespero. Tal composição revela que o medo tangente ao seu redor também está em seu interior, contrapondo-se ao marido, Vicente.

 Gianecchini constrói seu personagem como um homem simples, dedicado e muito misterioso. A calma constante em si chega a ser irritante: sua mulher está desesperada, enquanto ele demora a apresentar qualquer nuance de preocupação. A interessantíssima atuação de ambos some com um minucioso trabalho de iluminação (inspirado em “Devorar” – 2019). Seria muito fácil cair na utilização do “chiaroscuro”, uma técnica quase obrigatória em filmes do gênero, mas a diretora de fotografia Leslie Monter busca fazer uma construção pouco vista no cinema contemporâneo nacional, que lentamente joga a família para dentro de uma escuridão quase absoluta. O resultado dessa fórmula é uma penumbra que expõe perfeitamente o subtexto da história: a família está abandonada nas trevas. 

A montagem, que apesar de tímida, nos fornece uma das melhores cenas do filme. No momento em que Eva está feliz e em cima do marido para transar e, através de um corte seco, o diretor Belmonte faz colocar a mulher na posição contrária para refletir na luz um momento feliz, mas de muita dor também. Essa pequena sequência resume os sentimentos que preencherão a esposa: dor e amor. Porém, é uma pena que o roteiro busque construir a esposa como o estereótipo da mulher louca ao longo do filme, sem a segurança de que o plot twist nos minutos finais da projeção deveria ter. 

Durante pouco menos de duas horas de exibição, somos martelados por todos os adjetivos mais clichês: histérica, paranoica, agressiva e afins. O que, de certa forma, não é um impeditivo de serem utilizados em filmes. O que se lamenta é que possível reviravolta, além de soar arbitrária e inocente, não possui a força necessária para levar o espectador a “perdoar” a personagem. 

Embora “Uma Família Feliz” seja inocente do ponto de vista da reviravolta final, é minucioso na construção atmosférica do suspense, que se permite ser o thriller mais eficiente da carreira de José Eduardo Belmonte até aqui. Todos os elementos que sugerem o desespero psicológico da trama nos intrigam e nos arrastam junto do sofrimento de Eva.

*Revisão conforme as normas da ABNT e correções necessárias por: Anna Beatriz Rodrigues

 

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