Provando que o gênero de filmes-isca de adolescente nunca vai morrer, chegou aos
cinemas no dia 1 de setembro a adaptação do livro Um Lugar Bem Longe Daqui, de Delia
Owens, contando a história de Kya, uma garota excluída da vida em sociedade por ter
morado a vida toda em um brejo, enfrentando uma acusação de homicídio quando seu
ex-namorado — o solteiro mais cobiçado da cidade — aparece morto.
Um enredo que seria incrível se não fosse escancaradamente mal aproveitado na bagunça inexplicável que é esse filme.
A narrativa se estabelece de maneira monótona pelo olhar de Kya, interpretada pela
salvação deste filme Daisy Edgar-Jones, que transmite pontualmente a alma estrangeira de
alguém que mesmo sendo branca, magra e convencionalmente bonita para os padrões
acrônicos, não é aceita pelos moradores de Barkley Cove.
Nós entendemos sua história por meio de paralelos com seu julgamento no tempo presente — anos 60 — e sua infância no brejo em uma família pobre e com autoridade de um pai violento. O filme é literal em praticamente todos os sentidos: quando ela diz que sua mãe e seus irmãos foram embora, eles somente vão sem qualquer explicação.
É explícito o desespero por colocar todo e qualquer detalhe do livro no filme sem se importar com uma inserção harmônica no contexto narrativo e visual. Juro que nada me incomodou mais do que uma garota sem educação, que mora sozinha no meio do nada desde sua infância e dependente de doações de um casal amigo, manter o cabelo constantemente penteado sem vermos uma cena sequer dela segurando um pente.
O que já não era impressionante se torna uma afronta ao espectador ao entregar a trama
de uma investigação de suposto — foco nessa palavra — homicídio mal explicada,
esburacada e sem o mínimo conhecimento do assunto: sem provas, evidências ou até
mesmo a chance de ter sido mesmo um crime, todo o circo é montado contra a garota que
todos odeiam porque veio do brejo.
É quase como se fosse apenas um chamado de “sou interessante, me assista!” sem entregar nada no final. Até mesmo as oportunidades entregues de bandeja para que o filme seja resgatado e erguido ao patamar de algo que pelo menos acerta na dramaticidade são desperdiçadas com correria e direção quase amadora em cenas cruciais. Meu coração se partia cada vez que o filme perdia a chance de ser poético como o próprio livro é poético.
A imagética é etérea, tanto quanto a forma de lidar com o que se é proposto poderia ser, mas coube a protagonista ter toda a profundidade que teria sido distribuída entre todos os outros personagens relevantes, se essa produção não gritasse incompetência em se fazer uma adaptação.
Depois que eu aceitei que o tempo perdido assistindo esse filme não voltaria mais, ele se tornou até um pouco mais interessante com a história de um romancezinho fofo água com açúcar e de Kya encontrando seu caminho fazendo a única coisa que eles dão evidência de que ela sabe fazer: catalogando as espécies de plantas e animais do brejo para ilustrar um livro de ciências, um certo desvio do conflito principal que chega a ser infinitamente mais cativante.
A Kya entregue por Jones é como um presente, uma personagem fiel à sua própria aura e construção. Somente uma protagonista como essa, interpretada por uma atriz como essa, seria capaz de tornar esse filme algo que vale a pena assistir. Um Lugar Bem Longe Daqui pode ter sido uma boa ideia, mas sua péssima execução chega a ser exaustiva.
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