“Ecos”, filme do islandês Rúnar Rúnarsson experimenta, para falar sobre a realidade de um país, transitar entre documentário e ficção, recorrendo a uma mise en scène rigidamente marcada para viabilizar num único espaço uma profusão enorme de temas, personagens e comentários sociais.
Ao total, são 56 histórias ou situações; 56 planos estáticos que mostram vidas e lugares que nunca se repetem e não tem relação alguma entre si a não ser pelo recorte temporal em que estão inseridos.

Por essa diversidade caleidoscópica, há aqui algo como uma cápsula do tempo, uma fotografia simultânea de uma comunidade; o filme trata, no fim das contas, da formulação de um dispositivo dramático que o possibilite dispor um número enorme de situações, que possa passear por múltiplos aspectos culturais e sociais do país de maneira que exista coesão entre as partes. A diversidade que o rigor da estrutura proporciona lembra bastante experiências mais radicais como o filme/instalação The Clock, do artista Christian Marclay.

O filme vai por montanhas nevadas inabitadas, fala da questão dos refugiados na Europa, comenta a onipresença da tecnologia, se detém em interessantes naturezas mortas, constrói pequenos dramas familiares; e por aí segue, e segue, e segue. Uma diversidade temática tão grande que facilmente poderia prejudicar o envolvimento do espectador do filme, mas que exerce, ao confiar nesse rígido dispositivo, uma interessante e inventiva sensibilidade na escolha do que e de como olhar.

Em especial nos planos que transparecem uma encenação dramática, ficam ressaltados a construção visual do plano como um painel renascentista, muitas vezes divididos pelo enquadramento em ações simultâneas, a movimentação inventiva dos personagens em profundidade e também a duração temporal de cada plano.

São pequenos gestos e escolhas que variam muito cena a cena, e possibilitam que o filme seja lido também como um jogo de adivinhação: o que ali é documentário, o que é ficção e como cada plano foi construído ou encontrado? A intencional falta de clareza em relação aos limites entre documentário e ficção apenas contribui para o jogo de ilusionismo que está aqui proposto. Nessa interessante dinâmica de movimentos mínimos, o filme se fecha como um círculo, sem uma curva dramática aparente em relação ao conjunto total.

Por fim, o filme parece, de maneira colateral, conjurar uma potente metáfora visual para a vontade dormente da sociedade islandesa de tirar algo do lugar, de sair do esquadro; vontade que fica exposta após um vislumbre tão amplo dessa sociedade. Curioso pensar que num lugar ajustado à precisão, cujo grande problema é não ter tantos problemas, que os dramas resistam no ressentimento, no não-dito e na reação ao tédio, no esforço de viver o presente.

 

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