Se “toda arte é um problema de equilíbrio entre dois opostos” como disse Cesare Pavese, o diretor Mike Flanagan solucionou a questão com maestria em Doutor Sono. Baseado no livro homônimo de Stephen King, o enredo reapresenta Danny Torrance, agora um adulto marcado pelos eventos ocorridos no clássico, O Iluminado. Na continuação, enquanto lida com os próprios traumas, Danny precisa ajudar uma jovem a combater um grupo caçador de crianças que, assim como ele, possuem o “brilho” – habilidades extra-sensoriais que os diferenciam dos demais.

Flanagan tinha um dos maiores desafios de um diretor: desenvolver para o cinema a sequência de uma obra literária já adaptada – e cujo resultado desagradou o escritor de tal forma que resultou no famoso atrito entre Stephen King e Stanley Kubrick. Ironicamente, o trabalho de Kubrick teve o efeito oposto em um enorme número de pessoas, que se tornaram fãs da produção e elevaram o filme a categoria de clássico cinematográfico.

Sendo assim, o diretor tinha como objetivo em Doutor Sono apresentar uma obra satisfatória para Stephen King, aos fãs do livro, aos fãs do filme e ainda manter as altas expectativas do público em geral após seu trabalho na excelente série A Maldição da Residência Hill. E durante os 151 minutos de exibição o espectador assiste a uma meticulosa e inteligente montagem, com a quantidade certa de referências e fan services, atuando em equilíbrio com enredo e elenco. O ritmo pode parecer um pouco lento para os mais ávidos, principalmente no primeiro ato, entretanto a “cautelosa introdução” se faz necessária para que a transição e conexão das tramas e dos dois universos – o de 1980 e o atual – aconteça sem causar estranheza.

A escolha do elenco sem dúvidas é um dos pontos altos da produção.  Ewan McGregor está muito bem no papel de Danny, e sua experiência foi essencial para que o arco de amadurecimento da personagem se desenvolvesse de forma orgânica ao longo do filme. Sua química com Cliff Curtis e a jovem Kyliegh Curran também foi fundamental para a trama. A atuação de Rebecca Ferguson como Rose, the Hat, merece destaque e desperta tal curiosidade, que não será surpresa se muitos saírem das salas de cinema com desejo de ler o livro para conhecer melhor a personagem. Nomes como Henry Thomas e Bruce Greenwood são conhecidos de outras obras de Flanagan, que tende a trabalhar com os mesmos atores em suas produções, como por exemplo, em Jogo Perigoso, outra adaptação de King.

Aliás, a parceria King-Flanagan mostra como uma boa relação escritor-diretor é imprescindível ao resultado final. Recentemente, uma das maiores séries da atualidade apresentou um final incompatível em termos de qualidade com o restante da obra, o que se deve e muito a saída do escritor da produção nas temporadas finais. Pode-se dizer então, que O Iluminado de Kubrick trata-se de uma exceção à regra, e que na busca por adaptações de qualidade, cada vez mais a atuação dos escritores no processo deve ser valorizada – Doutor Sono é a prova mais recente disto.

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Como TARANTINO filma uma cena?

Amanda Luvizotto é arquiteta, crítica de cinema formada pela Academia Internacional de Cinema do Rio de Janeiro. Integrante do grupo Mulheres no Terror, estuda sobre o papel da mulher no cinema e tem na leitura um de seus grandes prazeres. Estudante de cinema e eterna fã e defensora de Xavier Dolan.