Um dos debates mais comentados dos últimos tempos em fóruns e redes sociais quando se trata de produções audiovisuais, é sobre até que ponto o clamor do público deve interferir nos rumos de uma obra audiovisual. Qual seria o limite para tal intervenção de forma direta, uma vez que a obra é feita pensando em um público? Numa época de novas reflexões devido ao avanço comunicacional que permite o público ser ouvido, existe o dilema entre ser correto atender os desejos do espectador ou quebrar expectativas e proporcionar reflexões, reforçando o status do que se espera de uma obra de arte.

Se em Os Últimos Jedi, oitavo capítulo da saga principal de Star Wars, tivemos a recepção mais dividida da história da franquia – o que despertou a ira de uma parcela da comunidade de fãs – agora, no Episódio IX: A Ascensão Skywalker, a Disney/LucasFilm parece determinada a enterrar o passado, como recomenda Kylo Ren (Adam Driver) a Rey (Daisy Ridley). Infelizmente, porém, faltou coerência nesse enterro. Para não atrelarmos tal responsabilidade à – suposta – disputa criativa entre os diretores J.J. Abrams (Lost, Star Trek), responsável pelos Episódios VII e o atual IX e Rian Johnson (Looper, Entre Facas e Segredos), responsável pelo Episódio VIII, deve-se levar em conta que o estúdio dita as regras para esse novo capítulo.

Fica evidente, para não dizer gritante, sua necessidade em desfazer tudo aquilo que parece não ter agradado aos fãs mais saudosistas da franquia no episódio anterior. E pelo excesso de revolta dessa parcela da audiência, optam por realizar o episódio atual de forma mais “segura”, o que parece transformar o resultado num produto pré-moldado, feito para ser aceito e vendido na marra – não que o cinema, de modo geral, não seja feito para vender.

Mas aqui isso se torna um problema a partir do momento em que, em prol dessas mudanças, muito da coerência narrativa da trilogia é quebrada entre seus filmes, fazendo parecer que cada película existe de forma isolada, em especial o oitavo episódio de Johnson, que chega a ser motivo de piada (bem colocada, admito) em determinada cena.

Rumos narrativos são simplesmente ignorados e decisões tomadas no longa anterior são apagadas do mapa, nos restando apenas aceitar. Até o previamente anunciado retorno do Imperador Palpatine, interpretado por um Ian McDiarmid positivamente canastrão e ainda com o feeling para o papel, é introduzido de forma que evidencia a falta de comunicação entre o comando dos episódios. É plausível que ele seja o grande responsável por trás das ameaças anteriores, mas enfiar seu retorno já no clássico texto de abertura, mostrando que toda a galáxia já sabe sobre sua volta, já entrega logo de cara o tom apressado e afobado do roteiro, que ainda opta por soluções preguiçosas para seus conflitos, o que é um dos maiores problemas do filme. Um determinado personagem importante parece ter encontrado seu fim na queda de uma nave? Sem problemas, daqui a algumas cenas explicamos que, na verdade, ele estava são e salvo em outra nave idêntica a que caiu e explodiu.

A pressa aqui, estampada na ligeira e constante alternância da trilha sonora e nos diálogos programados, parece ser a grande inimiga do texto. Afinal, o filme por si só já tem uma árdua missão: como todo capítulo final de trilogia, precisa entregar as respostas pendentes, amarrar as pontas soltas e trazer um encerramento à altura da longeva saga Skywalker, iniciada em 1977 por seu criador, George Lucas.

Nesse aspecto o filme reverencia com sucesso seus predecessores, trazendo um clima característico que honra as ambientações, personagens e, principalmente, as temáticas desenvolvidas nesses 42 anos de Star Wars. Ainda estão todas lá: o oprimido contra o opressor, a revolução diante do autoritarismo, os legados e maldições de sangue e, principalmente, a tentação que os lados da Força exercem entre si – sendo esse último reforçado com a derradeira revelação sobre a origem de Rey, onde é traçado um  paralelo na relação Palpatine-Skywalker, invertendo-a.

Também é tremendamente divertido finalmente ver o trio de protagonistas atuando juntos, o que remete à química do trio original de heróis da trilogia clássica. Embora em um ritmo apressado, temos agora um Finn (John Boyega) mais seguro de suas decisões e um Poe (Oscar Isaac) que agora assume oficialmente o posto de “novo Han Solo”, embora não passe nem perto da relevância do personagem clássico.

O conflito emocional de Kylo Ren chega à seu ápice, mas as escolhas para seu desfecho são as mais óbvias possíveis, diferente do desfecho e explicações sobre Rey, que embora seja a grande surpresa do longa, evidencia de forma aberta a mudança abrupta de rumos a serem tomados do último longa para cá, o que soa forçado e artificial. Toda a construção em cima do fato da personagem ser uma “ninguém” é abandonada, reforçando o gosto amargo de pressa e a necessidade de agradar o maior número de fãs possíveis.

De fato, o episódio anterior, apesar de ousar em suas escolhas, não é um marco na franquia. Mas ao optarem por alterar pontos desenvolvidos por ele que não eram necessariamente um problema, junto daqueles que certamente eram, fazem Star Wars – Episódio IX: A Ascensão Skywalker surgir como um encerramento artificial e mal planejado, deixando uma sensação de incapacidade do estúdio em ter controle criativo de sua propriedade intelectual, falhando em amarrar coerentemente uma trilogia com potencial para ser muito mais do que, de fato, foi. Uma pena, visto que não se trata de qualquer coisa. É Star Wars.

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