Sandman pela Netflix é um espetáculo vazio e mal adaptado, uma desonra aos quadrinhos. Paródia da vasta mitologia na obra de Neil Gaiman, nova  ancha no histórico de versões com atores dos quadrinhos, e se torna um dos piores exemplos possíveis, mas acima de tudo uma série apaixonante e encantadora em muitos sentidos.

Essa introdução com um contraste tão abrupto é uma reflexão sobre o público, adaptações não são transcrições, a atmosfera do quadrinho original era singular através do surrealismo e o sobrenatural, algo inexistente no formalismo realista da série da Netflix.

O aspecto Humano em Sandman sempre foi um teor de reflexão externa, na série em episódios especiais, o quinto e o sexto expõe esse caráter alheio, assistir Sandman é ter pequenas experiências singulares através de um enredo sobre intenções e decisões.

A conclusão do arco inicial no quinto episódio, se torna nítido que as histórias intervalares e singulares são a preciosidade da série, personagens corriqueiros não fazem jus a versão original, mas trazem uma nova bagagem de sentimentos, Lúcifer transforma a melancolia do quadrinho na sua importância e postura acima de tudo, o conhecido duelo realizado no inferno é uma passagem épica de uma situação originalmente cômica no material fonte.

Essas alterações do conteúdo original demonstram como a série tinha uma outra bagagem de interpretação de Neil Gaimam, e o envolvimento do autor se torna argumento dos fãs assíduos para a “fidelidade”, mesmo que seja uma série composta por uma comunidade de artistas por trás de cada decisão criativa e apenas uma pessoa não teria como empregar sua visão em todos os aspectos.

E no sentido estético, o programa tem uma direção construída a partir das miragens, as histórias se intercalando, com a lente desfocada corroboram para esse ambiente ilusório, sempre com o tom opaco e turvo, em quadros que destacavam o branco como apagamento do ambiente, na série ignoram esse aspecto para tornar o ambiente importante, pois mesmo no Reino do Sonhar é preciso se conectar em algum lugar.

Histórias em quadrinhos estão ligadas a sua perspectiva visual, ao abandonar as variações de estilos e composições visuais, a adaptação se torna uma paródia, mas no bom sentido, levar o Sonho para uma jornada sobre sentimentos invés de um passeio por ele mesmo, criou outro conteúdo através da criação de Neil Gaiman.

No desfecho, a série da Netflix irá imergir reflexões através de um mistério superficial e efetivo, o aspecto de uma história sobre histórias é apenas textual, se no quadrinho era instrumento para homenagens a variados gêneros, no programa é sobre intenções, nossas intenções como telespectador e a dos personagens na história.

Ignorando o aspecto de adaptação, a produção consegue se destacar de produções atuais pela qualidade de exibicionismo criativo e de variedade.

Não é pela fidelidade, um conceito elaborado por fãs sem qualquer critério técnico, mas a capacidade de gerar um novo produto tão encantador quanto o original.

Nenhuma adaptação literária ou novelização de filmes se tornou mais memorável que o filme ou quaisquer audiovisual adaptado, talvez por serem criados a partir da ganância com o material original, ou o audiovisual se mostra superior pois lhe poupa de imaginar, e a criatividade foi extorquida por incansáveis anos de saturação Hollywoodiana.

Mas o que importa é que a Netflix trouxe a capacidade de sonhar com os olhos abertos por oito horas, a adaptação? esqueceu de conceitos essenciais como o lúdico surrealista e abordagens metalinguísticas sobre histórias, se tornando outra coisa, mas ninguém disse que isto é ruim, pelo contrário é uma série tão interessante quanto o quadrinho original, mas em outro sentido.

 

 

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COMO INICIAR UM FILME?

Graduando de Comunicação Social e Ciências Sociais, Intérprete de LIBRAS e cursado na AIC em Roteiro de Cinema e TV. Pai de duas crianças lindas, fã do Batman desde pirralho, cinéfilo amante de Kyoshi Kurosawa, Dario Argento e Guel Arraes.