Atenção, essa crítica contém spoiler!

Nenhum filme tem a obrigação de ser fiel a uma obra literária, peça de teatro ou qualquer outra manifestação artística. Inclusive um remake. Comparar filmes não faz sentido. Cada obra deve funcionar em sua essência, seu próprio universo. No entanto, neste caso, para falar da forma de Rebecca – A Mulher Inesquecível, dirigido por Ben Wheatley, precisarei traçar paralelos com Rebecca, de 1940, de Alfred Hitchcock. Os dois filmes são adaptações do romance de Daphne du Maurier. Hitchcock já adaptou outras obras da escritora: A Estalagem Maldita, Rebecca e Os Pássaros.

A premissa do longa é simples: uma moça pobre, cujo nome não é revelado, é dama de companhia de uma idosa. Em uma viagem com sua patroa, a protagonista conhece um homem rico e viúvo, o Sr. de Winter. Eles se apaixonam, se casam e vão viver na mansão Manderley. Mesmo casada e feliz com seu relacionamento, a nova Sra. de Winter se sente uma intrusa nesse mundo burguês. Ela vive à sombra de Rebecca, ex-esposa do Sr. de Winter. Ela é comparada constantemente com a falecida mulher e tudo parece girar em torno do fantasma de Rebecca.

Há um problema de construção de linguagem: vendido como um suspense pela Netflix, a fotografia e direção de arte não acompanham o gênero estabelecido. Todo o primeiro ato passa a sensação de fantasia. Quase como um filme infantil de conto de fadas, as cores são extremamente vivas, os figurinos coloridos e há diversas cenas com planos abertos e lugares paradisíacos. Encontramos esse mesmo maneirismo em Midsommar, de Ari Aster.

Rebecca: versão pop de obra de Hitchcock tem tudo para virar um sucesso - 21/10/2020 - UOL Universa
O movimento da câmera não parece verossímil, as escolhas estéticas não conversam com a narrativa. Parece uma tentativa de inovação, mas, na verdade, é só uma ideia sem recursos suficientes para executá-la. Rebecca, de 1940, também apresenta lugares abertos, como montanhas e praias. Porém, é dirigido pelo mestre do suspense. Ou seja, há sempre uma atmosfera de mistério, com close nos olhares e trilha instigante, fazendo o espectador pensar que existe algo que a câmera não está revelando. Ben Wheatley parece se aprofundar na artificialidade, abusando de cores saturadas e paisagens irreais.

Desde o início, imergimos em uma espécie de universo da Disney para adultos (ou nem tão adultos assim). Mesmo quando a protagonista, vivida por Lily James, parte para a mansão Manderley e se encontra sufocada, com planos mais fechados e cores sóbrias, a narrativa continua parecendo um pouco perdida. Deixarei claro que o filme não é um total desastre. É até divertido. Mas essa inconstância entre fantasia exagerada e suspense incomoda.

Outro fator que me fez não simpatizar tanto assim com a obra é o fato de que muitos momentos são praticamente idênticos ao filme original. Isso se torna evidente quando o Sr. de Winter, protagonizado por Armie Hammer, revela a verdade sobre Rebecca, na casa em frente ao mar. Nesta cena, parece que Wheatley replica os diálogos extensos e explicativos ao maior estilo Hitchcock. Mas temos um filme de 1940 e outro de 2020. Como consequência, a cena se torna cansativa e datada. Remakes não deveriam ser cópias.

É triste pois, apesar de tentar modernizar o clássico de Hitchcock, Rebecca, de 2020, encontra sua maior força justamente em repetir o que já foi feito. Mesmo que essa repetição cause estranhamento. Quando tenta fazer diferente, Wheatley se joga ao famoso filme de algoritmo. Conto de fadas com final feliz, feito para adolescentes e que não sabe a hora de acabar. No clássico de 1940, o longa termina no momento exato. De forma bruta e gótica. Já esta obra original Netflix só reforça que o algoritmo influencia profundamente não apenas na forma que as produções cinematográficas são feitas, mas também na recepção do público e nos hábitos de consumo. Romance adolescente? Pode ser. Suspense? Passou um pouco longe.

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VISÃO GERAL
Avaliação
Júlia Pulvirenti
Jornalista formada pela PUCRS, redatora e social media. Apaixonada por cinema, pesquisar e debater. Estuda profundamente Bergman e David Lynch
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