Os anos 60 foram bem agitados para a indústria mais famosa do mundo. Isso não impediu a chegada do período que alguns chamam de “Nova Hollywood”. Contudo, o que importa para nós é o que é dito sobre o fim desse período. Pois alguns vão colocar a culpa em Tubarão ou Star Wars
E dizer isso é errado.
OS GRANDES CHEGANDO
Antes de mais nada, precisamos entender o importante acontecimento para o futuro de Hollywood: a aquisição (ou fusão) da maioria das grandes companhias por conglomerados. Esses gigantes possuíam variadas frentes de atividades, atraídas pelas desvalorização de suas ações.
Em 1962, por exemplo, a MCA Inc. (ramo da música) adquiriu a Universal. Em 1966, a Gulf e a Western (auto-peças, mineração e serviços financeiros) compraram a Paramount. Em 1967, a United Artist incorporou-se a Transamerica Corporation (locadora de automóveis). Em 1969, a Warner foi absorvida pela Kinney National Services Corporation (funerárias). E no mesmo ano, a Kirk Kirkorian (ramo de hotéis) comprou a MGM.
Essas fusões foram importantes para a salvação da indústria que vivia uma crise financeira. O ano de 1969, segundo a Variety, foi o início de uma recessão que durou três anos. Se em 1946 a bilheteria alcançou a marca grandiosa de 78,2 milhões de ingressos vendidos por semana, em 1971 a renda caiu para 15,8 milhões de dólares. E analisando os efeitos das aquisições, o jornal inglês The Economist concluiu que os conglomerados salvaram a indústria americana com estabilidade fiscal e financeira que proporcionaram.
Mas isso trouxe um custo. Percebeu que existe algo em comum entre as empresas? Nenhuma era do ramo do cinema ou artístico. No máximo podemos enxergar a MCA assim. No entanto, ainda era controlada por grandes empresários que buscavam expandir seus negócios cada vez mais.
O escritor William Fadiman, em seu livro Hollywood Now escreveu que “os antigos magnatas de Hollywood eram monstros, piratas e bastardos da cabeça aos pés, mas amavam o cinema e protegiam as pessoas que trabalhavam para ele.” Muito diferente dos novos milionários preocupados somente com ganhos financeiros elevados.
E não podemos deixar a televisão longe dessa análise.
No final dos anos 70 tivemos o advento da tv a cabo que aumentou as opções de consumo do espectador e de propaganda dos estúdios que começaram a vender direitos de exibição de filmes recentes para a HBO e Showtime.
A televisão estava mais popular do que nunca. E continuou contribuindo para lançar no mercado nomes como Robert Altman e William Friedkin.
Por isso, é importante que você grave esses dois elementos, a televisão e a fusão de empresas.
STEVEN SPIELBERG É CULPADO ?
É preciso lembrar que esse período foi um misto de obras. É impossível destacar um único filme para simbolizar o espírito da época. Se por um lado existiu Sem Destino (1969), também existiu Star Wars (1977). Se por um lado existiu A Última Sessão de Cinema (1971), também existiu Se Meu Fusca Falasse (1969). Histórias, propostas e narrativas totalmente diferentes.
E isso não impedia o público de assistir a filmes distintos. A prova dessa questão é observar os números de bilheteria abaixo
Os sucessos durante a nova hollywood são marcados pela presença de ou produções desafiadoras ou de obras que não possuíam uma narrativa tão complexa assim (o que não é um problema em si).
Filmes como Love Story: Uma História de Amor (Love Story,1970), Aeroporto (Airport 1970), O Destino do Poseidon (The Poseidon Adventure, 1972), Terremoto (Earthquake, 1974) e Inferno na Torre (The Towering Inferno, 1974) foram sucessos de bilheteria na época, muito antes da obra do Spielberg abalar a indústria.
Voltando para Tubarão, nem pode ser afirmado que foi o primeiro blockbuster da história. Pois em 1951 a Variety chamou o filme Quo Vadis (1951) na edição de 14 de novembro “a blockbuster…right up there with The Birth of a Nation and Gone With the Wind for box office performance.”
É frequente na indústria americana observarmos uma produção se tornar sucesso e servir parâmetro para outros tentarem repetir o mesmo êxito. Tubarão estava apenas seguindo os moldes para alcançar o mesmo feito de produções anteriores que contavam histórias de desastres naturais.
E muito do que se diz sobre o projeto também é mentira. A edição mais recente da The Film Experience, até a publicação deste artigo, escreve que “o primeiro filme a ser lançado simultaneamente em centenas de telas e promovido na tv” (p. 75). E desmentir isso atualmente é muito simples. Basta conferir os spots de Com 007 Viva e Deixe Morrer (1973) e 007 Contra o Homem com a Pistola de Ouro (1974), respectivamente, aqui e aqui.
É claro que as majors não usavam essa prática exaustivamente. O ponto é que era uma estratégia já utilizada. Do mesmo modo que distribuir várias cópias para os cinemas também não era novidade.
Geoff King em New Hollywood Cinema escreve que “Tubarão foi o primeiro filme de grande orçamento de Hollywood a receber publicidade de saturação na televisão e a ser lançado desde o início em um grande número de cinemas… estreou em mais de 400 cinemas, um total pequeno para os padrões recentes, mas quase sem precedentes para um filme de grande orçamento na época. ” (p. 55)
Mas também não é verdade. Tubarão foi lançado com 409 cópias, enquanto “O Favorito dos Borgia” (1949) e “ A Rosa Negra” (1950) foram distribuídos com 500 cópias nos cinemas. A prática era tão conhecida que o produtor Joseph Levine fez o mesmo com Hercules (1958) e Os Insaciáveis (1964). E Julgamento de Billy Jack (1974) ganhou um pouco mais de 1.000 cópias. E ainda poderíamos citar Fuga Audaciosa (1975) e outros da franquia 007.
O grande destaque por trás do projeto do Spielberg não estava no marketing e sim no prazo de retorno da bilheteria. Outros até conseguiram mais sucesso, porém nenhum até aquele momento tinha sido assistido por tantos nas salas de cinema em tão curto espaço de tempo.
E nem mesmo Star Wars (1977) retomou a proposta escapista. Peter Biskind escreve que Paul Williams foi à MGM em 1967 propor um projeto que foi negado. “Não, não, não, nós queremos fazer filmes que sejam sobre coisa nenhuma. Como esse Blow-Up.” Williams continua: “Blow-Up tinha deixado os executivos totalmente perdidos.”
Mas isso também não é verdade. Ao olharmos novamente a lista, percebemos que filmes como Se Meu Fusca Falasse (Love Bug, 1969), Loucuras de Verão (American Graffiti, 1973) e A Volta da Pantera Cor-de-Rosa (The Return of the Pink Panther, 1975) marcaram presença na lista dos mais assistidos no ano. E ainda tivemos filmes da franquia 007 em 1971 e 1973.
Todos eram “mais leves” e no caminho oposto de propor uma história dramática intensa. E todos foram antes de Star Wars e assistidos por grande parte do público. Os estúdios sabiam muito bem o que os americanos gostavam.
Por isso que esse período da indústria é tão rico e não pode ser definido de uma forma tão rasa ou selecionando somente algumas obras para que o argumento tenha sentido.
Até o famoso marketing de George Lucas pode ser questionado em partes e precisa ser explicado de forma mais específica. É contado que o diretor foi o pioneiro a explorar os direitos do projeto em produtos como camisetas, bonecos, cartazes e etc. Mas a inovação se dá pelas questões sistemáticas de como planejou-se as ações de merchandising. A.C. Gomes de Mattos escreve que a “Disney havia explorado os direitos sobre seus personagens no final dos anos 40, mas a mesma organização.”
O mesmo pode-se afirmar da franquia 007. Também existiram produtos para comercialização, mas Lucas criou uma estratégia mais interessante e organizada. Quadrinhos sobre o filme eram feitos, atores faziam aparições em eventos e vários tipos diferentes de brinquedos eram produzidos.
O VERDADEIRO CULPADO(S)
Espero que até aqui você tenha considerado o equívoco que é culpar Tubarão ou Star Wars. É notório que tiveram participação em apresentar possibilidades de ganhos no retorno rápido de bilheteria e na exploração de merchandising. Mas usar esses fatores para atribuir culpa é errado.
O real culpado do fim do período veio de um lugar chamado Paramount.
E você precisará gravar três nomes: Barry Diller, Michael Eisner e Don Simpson (todos foram presidentes da companhia).
Os dois primeiros Diller e Eisner vinham da televisão. Possuíam uma nova forma de fazer negócios que deixaria uma marca na produção permanente até os dias de hoje.
Uma de suas linhas de frente era a divulgação pela televisão em comerciais de 30 segundos. Se o projeto fosse atrativo o suficiente nesse curto espaço de tempo, a ideia iria em frente. Do contrário, nem saia do papel.
John Boorman recorda que foi ao estúdio propor um novo projeto e foi indagado: “Me diga como será o comercial de TV de trinta segundos”. O diretor respondeu “Não creio que consiga expressá-lo dessa forma…” E ouviu: “Então não posso fazer esse filme. Como é que eu iria vendê-lo?”
O terceiro – Don Simpson – começou como produtor. Ele foi um dos grandes entusiastas a utilizar-se do conceito “high-concept”. Apesar de existirem várias definições, a mais repetida é a dita por Spielberg: “Se uma pessoa pode me contar a idéia em 25 palavras ou menos, ela vai dar um filme muito bom”
Era uma forma de controlar toda ideia que nascia na produtora. Essa concepção ficou tão popular que Charles Fleming escreveu um livro chamado “High Concept: Don Simpson and the Hollywood Cultures of Excess”.
Isso ditou gradativamente os rumos dos anos seguintes. Esses homens não tinham nenhum interesse pela parte artística. Estavam somente focados em produzir histórias que tivessem apelo do maior público possível. E para tal, os roteiros precisam ser de fácil entendimento, dinâmicos e com uma grande estrela no elenco
E filmes como O Comboio do Medo (1977) ou Touro Indomável (1980) possuem um caráter pessoal e com conteúdo não apropriado para crianças ou adolescentes. Que não poderiam ser traduzidos em poucos segundos para o espectador caseiro. Não eram obras que poderiam ser vistas por qualquer tipo de público. O que implicaria em menos pessoas pagando ingresso.
Era um risco que nenhum investidor gostaria de correr, já que manipular os custos dos filmes estava cada vez mais difícil. Os valores de produção, finalização e distribuição não paravam de subir. Se no início de 1970 o custo era de 8 milhões, em 1975 custava 15 milhões de dólares. Até o cachê dos atores disparou. Não se esqueça que Marlon Brando recebeu, aproximadamente, 4 milhões para uma pequena participação em Superman (1978).
Além disso, os incentivos fiscais da época também eram um problema. Permitiam que os milionários fizessem deduções por até 20 vezes o que investiram. O que significava dezenas de milhares de renda extra.
Um valor que não seria depositado para um diretor iniciante ou um roteiro sem apelo do grande público. Saul Zoentz, presidente da Fantasy Records, que co-produziu Um Estranho no Ninho (1975), teve problemas para levantar os $4,1 milhões para produzir o filme porque não queria correr o risco de perder o controle do filme para investidores externos.
Dessa forma os estúdios resistiram em se aventurar por projetos que não garantisse um lucro relevante. O termômetro passou a ser o primeiro final de semana para determinar a continuidade ou não do filme. Por isso que nos anos seguintes as continuações se popularizaram. Obras como Tubarão 2 (1978), Rambo – Programado Para Matar (1982) e Indiana Jones e o Templo da Perdição (1984) tornaram-se apostas de risco muito pequeno.
Assim a indústria se consolidou no início da década de 1980 e continua até hoje. Lucas e Spielberg até participaram do movimento que transformou Hollywood, mas os reais culpados são os grandes chefes executivos que estavam (e estão) unicamente interessados em dinheiro.
Não estou dizendo que desde essa época não existiam obras-primas. Até mesmo alguns blockbusters possuem uma qualidade acima da média. Mas as majors não querem correr riscos de grande prejuízo, uma vez que os custos subiram exponencialmente. Nem mesmo a bilheteria doméstica dos EUA é suficiente para agradar aos estúdios. O mercado chinês tornou-se a principal fonte.
Lembre-se que Scorsese estava há pouco mais de uma década tentando obter financiamento para fazer O Irlandês até que a Netflix se prontificou a pagar os mais de 160 milhões de dólares (valor semelhante a um filme da Marvel).
Atualmente nenhum estúdio aposta em um drama ou terror com valores de produção tão altos quanto O Poderoso Chefão II, O Franco-Atirador ou Exorcista.
Mas eu prefiro esses do que ver derivados do Homem-Formiga ou Velozes e Furiosos.
Fontes:
Do cinetoscópio ao cinema digital: breve história do cinema americano por A. C. Gomes de Mattos.
Como a geração sexo-drogas-e-rock n roll salvou Hollywood por Peter Biskind.
New Hollywood Cinema por Geoff King.
Time (sobre a variety): https://bit.ly/3eYgp5m
Lei de Reforma Tributária de 1976: https://nyti.ms/373lR2x
Fredrik on Film: https://bit.ly/3xiwDwJ
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