Deve ser crescente o sentimento de medo em relação à gradativa perda da própria utilidade de quem chega à terceira idade. O receio de um dia ser incapaz de se mostrar produtivo perante o mundo cada vez mais presente, além de, claro, a maior proximidade com a morte provavelmente incomoda os que alcançaram certa idade.
Ou talvez isso seja somente um olhar de um adulto ansioso que deixa transparecer o próprio medo de chegar à velhice com a mente e o físico fracos demais para exercer as atividades que realiza hoje em dia.
Em Perfume de Gardênias, esse pensamento pessimista é contraposto assim que conhecemos Isabel, uma senhora idosa que faz faxina, cozinha, lava as louças e costura, tudo por conta própria e sem ajuda. Vemos no início do filme a protagonista de forma ativa, executando todos os serviços domésticos necessários para se sentir, de alguma forma, útil e ocupada. Na visita da filha Melanie, Isabel insiste em fazer café, mas Melanie pede pra mãe descansar em vez de se preocupar com essa tarefa.
Após a morte do marido, Isabel encontra a oportunidade de externar seus dons artísticos e criativos junto das amigas para organizarem funerais elaborados. “Se queremos tantos ser felizes durante a vida, como não podemos querer uma morte feliz?”, justifica uma das personagens em determinado momento.
A diretora e roteirista Macha Colón se sai bem quando usa o humor negro na trama. Isabel ao lado do marido morto, listando o nome de todas as pessoas para as quais deveria ligar enquanto a enfermeira come pão é um exemplo de uma composição simples, mas bastante eficiente. Já o mesmo não se pode dizer das intervenções chatíssimas e desnecessárias da personagem Cláudia, que mais parecem ter saído de um esquete de programa televisivo, sempre soando deslocadas.
Da mesma forma, o desenvolvimento dramático é tímido e inconstante: se é provocativo vermos Isabel deitada na cama após a morte do marido, provavelmente pensando que, dado o avanço da idade, ela seria a próxima, os diálogos apressados e sem tempo de respiro da personagem se mostram uma estratégia artificial: “Não posso fazer isso porque o Mário não gosta de ficar só. Ai, Deus.”, diz a senhora, esquecendo e depois lembrando que o marido morreu.
Emendando reviravoltas tão inesperadas que flertam até com a temática do terror Midsommar, o filme também lança alguns questionamentos curiosos: vale a pena se dedicar tanto ao cuidado dos outros assim? Até que ponto fazemos determinados sacrifícios pelas outras pessoas e nos esquecemos da nossa própria vida?
Essas dúvidas são permeadas por atitudes da protagonista que sugerem mudança: em um momento, a filha pergunta se tem café e Isabel responde: “tem que fazer”. Em outro, as gardênias substituem o diploma na parede da senhora.
Todo esse desenrolar até soa orgânico, mas a esterilidade das emoções e falta de envolvimento culmina no ponto de vermos uma velhinha chorando e não sentirmos nada. E isso vindo de alguém que tem um fraco pra “velhinhos chorando” significa uma imperfeição.
|| LEIA AS CRÍTICAS DOS FILMES DO 31º CINE CEARÁ AQUI ||
______________________________________
Escute nosso PODCAST no: Spotify | Google Podcasts | Apple Podcasts | Android | RSS
Siga-nos no INSTAGRAM
Entre para o nosso grupo no facebook AQUI
Curta nossa página AQUI
.
.
.