“Em uma situação como esta, quanto mais sangue, melhor. Para a audiência, sabe?”

Ser filho de um dos maiores escritores vivos de livros de terror definitivamente tem seus ônus e bônus, ainda mais quando você decide seguir a mesma carreira de seu pai. Se, por um lado, a parentalidade abriu caminho para Joe Hill, por outro trouxe as inevitáveis e duras comparações com Stephen King.

A estreia de O telefone preto, adaptação cinematográfica do conto de Hill dirigida por Scott Derrickson, mostra a nítida influência de King no trabalho do filho, mas também os pontos em que a escrita dos dois diverge plenamente.

A trama tem o tímido adolescente Finney Shaw como personagem principal, habitante de uma pequena cidade estadunidense em que misteriosos desaparecimentos – sempre de jovens garotos – começam a ocorrer. Quando o pior acontece com Finney, um telefone preto, presente em seu cativeiro, tem um importante papel no desenrolar da história e na liberdade do adolescente.

Tal qual como muitas histórias escritas por King, o enredo de Hill traz um núcleo principal majoritariamente jovem, com arcos de tensão fundamentados em adversidades provenientes de temáticas complexas, por exemplo: o abuso infantil, o alcoolismo e o bullying.

Mason Thames interpreta o personagem central, enquanto Ethan Hawke sai de sua zona de conforto atuando em papéis dramáticos e aparece em tela como The Grabber (O Pegador, em T.L., também chamado de O Homem Gordo no conto traduzido), o serial killer responsável pelos desaparecimentos frequentes na comunidade. Com uma caracterização impressionante e assustadora, o espectador é induzido a dissociar a imagem de Hawke do temido personagem, esquecendo-se inclusive da fisionomia real do ator (que aparece em sua totalidade somente uma vez durante a exibição) .

No entanto, o destaque do filme fica à cargo da jovem Madeleine McGraw e sua personagem Gwen (irmã de Finney), cujo carisma, eloquência e personalidade roubam a atenção da maioria das cenas nas quais está presente. A atriz também protagoniza a sequência mais violenta, gráfica e importante frisar, desnecessária do filme, ao lado de Jeremy Davies como Terrence, seu pai na trama.

A atmosfera da história contada por Joe Hill se assemelha às de seu pai, no entanto a paridade entre os dois termina aí. Enquanto o desenvolvimento das adaptações de King é fundamentado em um terror psicológico forte com cenas gráficas marcantes mais pontuais, em O Telefone Preto a violência gráfica – por vezes desnecessária – e a quantidade de sangue em tela não são poupadas.

Mesmo quando as sequências envolvem crianças ou profissionais mais jovens, a produção flerta com o terror gore, expondo imagens fortes e impactantes, o que é explicitado pela citação que abre este texto, dita pelo personagem Robin, interpretado por Miguel Cazarez Mora.

Eleger O Telefone Preto como o “melhor filme de terror de 2022” como alguns críticos vêm fazendo é precipitado, principalmente porque ainda temos lançamentos de diretores reconhecidos do gênero agendados para o segundo semestre, e outros excelentes já apresentados. Entretanto, o filme é muito bem executado e adaptado, além de ser uma parte marcante da filmografia de Scott Derrickson – ainda que sua melhor obra continue sendo O Exorcismo de Emily Rose (2005).

 

 

 

 

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Amanda Luvizotto é arquiteta, crítica de cinema formada pela Academia Internacional de Cinema do Rio de Janeiro. Integrante do grupo Mulheres no Terror, estuda sobre o papel da mulher no cinema e tem na leitura um de seus grandes prazeres. Estudante de cinema e eterna fã e defensora de Xavier Dolan.