Desde pequeno e por diversas explicações da psicanálise, o ser humano possui uma propensão a se interessar por histórias. Dentre tantos meios de consumo, como literatura ou pintura, o cinema possui um grande potencial para contá-las, tanto por ter a vantagem de colocar imagens em movimento, quanto por exercer controle sob o tempo dessas imagens na ótica do espectador.
O Soldado Que Não Existiu (um dos raros casos de adaptações de títulos na qual a tradução literal realmente não funcionaria, visto que “Operação Carne Moída” pareceria muito mais um filme de Austin Powers) inicia com o pai lendo para o filho um livro que conta uma história envolvendo espionagem.
O homem que a lê é Ewen Montagu (Colin Firth), e o que a criança não sabe é que o pai estaria envolvido em uma operação mirabolante da 2ª Guerra Mundial para enganar Hitler e fazer com que o führer acreditasse que os britânicos atacariam a Grécia, plano que envolveria o envio de um cadáver com documentos e objetos falsos. Uma grande e improvável história, mas que, de fato, ocorreu.
Há apuro estético e narrativo na composição de alguns quadros do filme que buscam traduzir bem o que é atuar na guerra de bastidores: agentes fumando cigarros dentro de salas abafadas, trabalhos burocráticos em frente a máquinas de escrever, pessoas sentadas na escada com a mão no queixo aguardando notícias do que ocorre a quilômetros de distância. Ao final das operações, é só isso o que eles podem fazer: esperar, esperar e esperar.
Um importante coadjuvante da trama é o escritor Ian Fleming, autor e idealizador do espião mais famoso do mundo (Bond, James Bond) e que de fato esteve envolvido na operação. Referências às inspirações de Fleming são bastante satisfatórias, desde “M” como apelido de um dos chefes da Inteligência, ao “Q Branch” trabalhando com a tecnologia da época.
Ver o olhar do escritor brilhar ao manusear um relógio que esconde uma serra, tal qual os usados pelo 007, é uma das boas ideias do projeto, principalmente porque tais passagens não são meras referências gratuitas.
Uma das farsas criadas pelo pequeno grupo de agentes envolve a elaboração de uma carta de amor para o soldado morto. Na leitura da carta, falsa, exalam sentimentos que soam puros e reais.
Autores de boas histórias sempre tentarão colocar sentimentos ou experiências verdadeiras nas obras que criam: se Fleming se inspira nas aventuras que acompanhou para escrever as próprias histórias de espionagem, nada mais natural que, para que a história do “soldado que não existiu” funcione, amores e desejos verdadeiros das pessoas que a criam sejam também colocados nos papéis que levarão a mentira para Hitler.
Entre histórias, ilusões e cinema, pouco importa tentar descobrir o que é real ou não em uma adaptação de eventos históricos. Se uma mentira engenhosa pode levar à vitória em uma grande guerra, tudo bem que uma carta falsa dentro de um filme leve o espectador às lágrimas e sorrisos reais. Essa seria a vitória dos autores.
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