Depois de um adiamento de mais de um ano e meio por conta da pandemia, a dupla de filmes O Menino Que Matou Meus Pais/A Menina Que Matou Os Pais, dramatização do crime real que impactou o país há quase 20 anos, dirigido por Mauricio Eça e produzido pela Santa Rita Filmes enfim entrou em cartaz, não no cinema, como pretendido inicialmente, mas através do streaming da Amazon Prime Video.

A inusitada estratégia comercial de produzir e lançar simultaneamente dois filmes vinculados entre si é chave na leitura dessa produção brasileira, afinal isso afeta de maneira significativa quase todos os aspectos da produção.

O trabalho de atuação do elenco, de modo geral, é bastante inspirado. O elenco de apoio compreende bem a posição lateral de seus personagens, entregando atuações bem moduladas e com adequada nuance, o que oportunamente revelado pela reencenação de diversas cenas nos dois filme, a partir da visão dela e dele.

Desse modo, naturalmente salta aos olhos o trabalho mais expansivo dos protagonistas Leonardo Bittencourt e especialmente de Carla Diaz, que positivamente toma a frente de ambos os filmes. Apesar de chegar, em certos momentos, a se aproximar de uma atuação caricata, esse é provavelmente o grande trabalho da atriz até aqui, avançando para muito além da mera reconstituição da personagem real.

De fato, todo exagero positivo que vez ou outra transborda para a superfície do filme é pouco aproveitado pela direção. Se estamos assistindo a relatos e versões de um fato excepcional, é natural esperar que os personagens elaborem a si e às figuras em seu entorno de maneira mais fantasiosa e dissimulada, o que em tese abriria espaço para uma proposição estética menos pragmática, mais propositiva e consciente de si mesma do que se encontra nos filmes.

No entanto, o filme passa ao largo de uma elaboração estética ocupada de questões próprias, trazendo de início uma ideia pronta que remeter a uma certa ideia incompleta de cinema hollywoodiano; e ainda assim, não consegue trazer essa ideia a uma concretude esteticamente inteligível para os dois filmes. Tome-se de exemplo a fotografia, que em proposta difusa, confia no excesso pelo excesso; compõe e ilumina os quadros de maneira pouco propositada, num trabalho que remete bastante à fotografia publicitária.

A falta de uma significação que remeta ao Brasil e à São Paulo de 2002 faz com que a reconstituição estacione num meio de caminho indefinido entre o realista e o teatralizado. A trilha sonora, um dos poucos aspectos que conseguem uma certa aproximação a essa atmosfera, pouco soma à narrativa, estando polvilhada aqui e ali em efeito videoclipe.

Visualmente, o filme pouco diz sobre o que conta no roteiro, um silêncio bastante sensível ao se considerar que são filmes que, apesar de biográficos, tem como base relatos sabidamente inconfiáveis. Temos planos bem construídos e encenados, ressaltados pela boa condução dos atores mas que, na soma, pouco comunicam enquanto conjunto.

Apesar de tudo isso o filme tem bons momentos, bem conduzidos pelo ritmo rápido e intenso da narrativa e da montagem, que recorre a elipses que criam lacunas interessantes e que avançam a história sem omitir seus aspectos fundamentais. Nesse ponto, a direção e o roteiro acertam ao confiar no interesse natural e mórbido que existe pela história real.

A estrutura narrativa dos filmes, apesar de limitante (pois simplesmente dramatiza de maneira objetiva os depoimentos), funciona melhor quando os filmes são considerados um único conjunto: a maneira como a história se desdobra por uma vez e se repete seguidamente, com algumas variações, proporciona pontos altos aos dois filmes, em uma estratégia de autorreforço bem sucedida.

No fim das contas, a dupla O Menino Que Matou Meus Pais/A Menina Que Matou Os Pais não sabe exatamente como quer contar sua história, mas definitivamente entretém, pelo bom elenco e pelo interesse que a história real desperta, no que o filme tem mérito em não interromper ou cessar.

É importante reconhecer a boa intenção dessa produção independente nacional, em especial na missão de explorar o potencial dramático das histórias brasileiras. Falta aqui, no entanto, uma estética que de fato encare essa questão de maneira mais franca, menos amarrada a convenções mal importadas.

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