O Estranho, um filme dirigido por Flora Dias e Juruna Mallon, não é apenas um retrato de uma infraestrutura colossal, mas um conjunto de histórias esquecidas e rastros de um passado enraizado em um território em constante transformação.
A produção, que foi destaque no Festival de Berlin e vitoriosa no Olhar de Cinema, Lisboa Queer Art e Nuremberg, proporciona uma experiência cinematográfica rica em significados e visivelmente audaciosa em sua execução.
A narrativa de O Estranho é engenhosamente articulada através dos olhos de Alê (Larissa Siqueira), uma funcionária de pista no Aeroporto Internacional de São Paulo, Guarulhos. A trama transcende o simples cotidiano de um dos maiores terminais aéreos do Brasil, levando o espectador a uma jornada que mescla o passado e o presente, tecelando um paralelo entre a modernidade do aeroporto e a história dos índios Guaru, os antigos habitantes daquelas terras e que dali foram expulsos.
Flora Dias e Juruna Mallon integram-se à narrativa uma sensibilidade rara, ao destacar não somente as operações e a imponente estrutura do aeroporto, mas também os vestígios do impacto humano e ambiental advindos da sua construção.
Larissa Siqueira entrega uma atuação profunda como Alê, equilibrando a dualidade de uma funcionária dedicada e uma das muitas pessoas cujas vidas foram irrevogavelmente alteradas pela transformação do território. O elenco, incluindo Antonia Franco, Rômulo Braga, Patricia Saravy, Thiago Calixto e Laysa Costa, contribui com performances enriquecedoras para a narrativa, fornecendo um mosaico de perspectivas que reforça a complexidade social e emocional da trama.
A montagem é um dos pontos fortes do filme. As transições entre os momentos históricos e atuais são executadas com precisão, utilizando diversos meios de transporte como metáforas visuais para a progressão e a mudança. A fotografia contrasta a modernidade do aeroporto com as paisagens que outrora foram intocadas.
O trabalho sonoro, premiado no Olhar de Cinema, destaca-se especialmente pelos contrastes de sonoridade – do ruído incessante dos aviões, também como poluição sonora, às sutis reminiscências dos sons da natureza. A poluição dos rios, a poluição sonora, a remoção de moradores e o desaparecimento da fauna são abordados com uma delicadeza assertiva, conferindo ao filme uma dimensão crítica e ecológica.
O Estranho surge não apenas para entreter, mas também para provocar reflexões significativas sobre identidade, memória e progresso. Flora Dias e Juruna Mallon entregam um filme que é, ao mesmo tempo, um documento histórico e uma narrativa poética sobre as transformações incessantes de nosso mundo.
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