Se o ditado popular diz que “a expectativa é a mãe da decepção”, o novo filme do diretor britânico Edgar Wright, Last night in Soho, demonstra que tal premissa não poderia ser mais verdadeira. Com roteiro escrito pelo próprio Wright em parceria com Krysty Wilson-Cairns (conhecida pelo filme 1917 e a série Penny Dreadful) a produção narra a história de Ellie, uma talentosa jovem moradora de uma pequena cidade da Cornualha, região do interior da Inglaterra, que acredita ter realizado seu sonho ao receber uma bolsa de estudos para cursar moda em Londres. Mas a protagonista encontra uma realidade bem diferente da projetada. 

Interpretada brilhantemente por Thomasin McKenzie, Ellie é criada por sua avó já que sua mãe faleceu quando ela era criança e o pai nunca esteve presente. Sendo assim, a jovem cresceu em meio às referências culturais da década de 60, aquela vivida por sua avó, o que a leva erroneamente a desejar viver na Londres dos anos 60 e não no presente.

Este choque é sentido já no primeiro momento, seja pela dificuldade de socialização encontrada pela protagonista ou por suas expectativas que são desconstruídas desde o primeiro táxi que embarca na cidade. Ao mudar-se para um quarto alugado no bairro do Soho, ela passa a experimentar situações inexplicáveis enquanto dorme, vivendo como a cantora Sandie, em mais um trabalho excepcional de Anya Taylor-Joy. Assim como Ellie, a jovem também está em busca de seu sonho, mas com um porém: está situada nos anos 60.

O roteiro pode induzir o espectador a acreditar que o longa-metragem é “uma carta de ódio a Londres e a ilusão da cidade grande” – conforme dito por colegas críticos. Mas olhando atentamente é possível concluir que Londres ou a ideia de cidade grande em si não é a grande vilã, e sim as expectativas projetadas nelas, ou a eterna busca pelo “sonho de uma vida melhor”.

Em Last night in Soho foi Londres, mas no Moulin Rouge de Baz Luhrmann foi Paris e na recente produção nacional 7 Prisioneiros, dirigida por Alexandre Moratto, a grande São Paulo. Há também a presença de uma forte idealização do passado, algo muito bem trabalhado no filme de Woody Allen, Meia-noite em Paris. Ou seja, a decepção era algo previsível no arco da protagonista.

Um grande acerto do roteiro é a forma que o mesmo demonstra as dificuldades sofridas por uma mulher ao ir sozinha atrás de seus objetivos, e aqui acredito que o olhar de Krysty Wilson-Cairns fez a diferença. As expectativas são frustradas não pela “cidade grande”, e sim pelos que nela habitam. Ser mulher por si só já significa estar mais vulnerável em qualquer contexto; uma mulher solitária em um lugar estranho à ela torna-se mais vulnerável ainda – a sofrer assédio, violência, bullying, golpes e até mesmo ter sua saúde mental colocada à prova, sem uma rede de apoio. Mais de cinquenta anos separam Sadie e Ellie, entretanto os desafios enfrentados por elas são semelhantes.

Ambas irão sofrer com o assédio masculino e com a falta de empatia feminina – levando-as ao limite físico e psicológico, pontos bem explorados por Wright ao trabalhar com o cinema de gênero.

No que diz respeito à técnica, trilha sonora, fotografia, iluminação, figurino e direção de arte da obra como um todo são belíssimos, e atuam como personagens da trama. Chama atenção o cuidado da produção ao evitar cenas gráficas de abuso e “male gaze”, mesmo com a narrativa abordando a temática do assédio.

O diretor utiliza a violência gráfica em cenas pontuais e pertinentes ao desenvolvimento da história. Mas, infelizmente, o filme apresenta alguns problemas de ritmo, principalmente em seu segundo ato que acaba sendo um pouco confuso e deixando pequenas pontas soltas.

Last night in Soho dividirá opiniões. Pode ser frustrante – ironias à parte tratando-se de uma obra que aborda a dicotomia expectativa versus realidade – para os fãs de Edgar Wright que esperam algo semelhante às outras obras do cineasta, conhecido pelo filme Todo mundo quase morto. Porém, o saldo é positivo e a mensagem final bonita e benéfica, e aqui a resumo citando Audre Lorde: “Eu não sou livre enquanto alguma mulher não o for, mesmo quando as correntes dela forem muito diferentes das minhas”.

 

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Amanda Luvizotto é arquiteta, crítica de cinema formada pela Academia Internacional de Cinema do Rio de Janeiro. Integrante do grupo Mulheres no Terror, estuda sobre o papel da mulher no cinema e tem na leitura um de seus grandes prazeres. Estudante de cinema e eterna fã e defensora de Xavier Dolan.