Final de ano é tempo de estreia dos filmes do chamado “Oscar bait” (ou em português, “Isca de Oscar”), o termo nomeia as produções que têm a intenção de ganhar indicações para a premiação. E em tempos de antivacina, terraplanismo e descrença nas mudanças climáticas a Netflix lança “Não Olhe para Cima”, uma sátira política com um super elenco que provavelmente custou o cancelamento de algumas séries. Adam McKay, vencedor do Oscar de “Melhor Roteiro Adaptado” por “A Grande Aposta” dirigiu, escreveu e produziu o longa estrelado por Leonardo DiCaprio e Jennifer Lawrence.
“Não Olhe para Cima” é sobre dois astrônomos que tentam alertar o mundo sobre um enorme cometa em rota de colisão direta com a Terra e que pode acabar com toda a humanidade. O filme ridiculariza de forma irônica sobre o que tem acontecido em nossa civilização nos últimos tempos: negacionismo e negligência de autoridades. O início do filme mostra bastidores científicos da descoberta do cometa até a sinalização para a Presidente dos EUA que ignora totalmente a situação.
McKay consegue colocar a comédia no tempo certo e é bem afiado nas críticas aos governos e corporações. Ele transforma um assunto desinteressante em algo divertido de assistir colocando intervenções no meio da cena pra explicar algo “chato” conduzido por interações na tela, seja por meio de diálogo gráfico ou mostrando as repercussões nas redes sociais, assim como fez no longa “A Grande Aposta” quando coloca a Margot Robbie para explicar como funciona a bolsa de valores.
Leonardo DiCaprio faz um bom trabalho na produção e até tem direito a um baita monólogo que vale a pena prestar atenção e serve de aviso para muita gente. Ele consegue escolher muito bem os papéis que realiza, e não errou em interpretar “Dr. Randall Mindy”, já que o ator é bem engajado em pautas ambientalistas e seu personagem é um dos cientistas que tentam alertar a humanidade sobre o cometa que pode destruir o planeta.
O elenco também é composto por Jennifer Lawrence e Rob Morgan interpretando os cientistas “Kate” e “Dr. Teddy”, Meryl Streep como a “Presidente Orlean” (que segundo ela mesmo é uma mistura de vários presidentes e suas peculiaridades como Bush, Clinton e Trump), Mark Rylance fazendo o “Peter Isherwell” (personagem que faz fusão de figuras como Elon Musk, Jeff Bezos e Mark Zuckerberg) e além disso temos Jonah Hill, Tyler Perry, Cate Blanchett, Timothée Chalamet e participação especial de Ariana Grande e Scott Mescudi.
O texto é assertivo quando julga sobre o contorno e simplificação midiática de pautas importantes e as suas repercussões da internet, memeficação de situações sérias, espetacularização dos meios de comunicação, lobismo e a atuação do governo estadunidense em criar inimigos para desviar atenção de assuntos pertinentes. McKay faz uma boa contextualização sobre o que vivemos neste momento, a exploração desenfreada de recursos naturais em detrimento de um lucro para empresas
Todavia, uma das falhas está na trama, que embora trate de assuntos convenientes e levante discussões relevantes, ele cai naquele mesmo problema de várias produções hollywoodianas: o nacionalismo estadunidense. Quando é para abordar os eventos acontecidos de maneira global, já que estamos falando de um evento apocalíptico, acaba priorizando somente a perspectiva dos Estados Unidos.
É excluído do filme as reações de outros países. Para alguns pode até parecer baboseira ou um detalhe, mas mostrar outros pontos de vista é essencial para uma catarse geral dos espectadores e venhamos e convenhamos, é realmente cansativo assistir a bandeira dos EUA tantas vezes em uma composição. Façam a prova real, quantas vezes já se questionaram o porquê dos aliens só invadirem os norte americanos?
Sobre a trilha sonora, o filme se inicia sem música e aos poucos vem incrementando um jazz bebop para causar uma sensação frenética. Quando se trata de montagem temos uma intercalação entre presente e um futuro próximo na mesma cena para dar dinamismo e nos adiantar o que está por vir. Os movimentos de câmera também alternam entre planos estáticos e outros mais enérgicos com o fim de mostrar os olhares dos personagens de forma sutil e dar mais expressividade bem como contribuir para a narrativa.
Se fosse chutar algumas indicações, daria para “Melhor Filme”, “Melhor Ator”, talvez para a categoria de melhor canção original também e claro, uma indicação para Meryl Streep como já é sempre de costume (mesmo não sendo um dos seus melhores papéis).
“Não Olhe para Cima” é um bom filme para assistir comendo aquele panetone acompanhado de cappuccino pela manhã e pensar sobre ciência e capitalismo, se vale a pena mesmo fazer um “rolé” de espaçonave pelo espaço e fazer uma retrospectiva no que tem acontecido no mundo e arredores nos últimos tempos.
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