Documentário assistido durante o festival É tudo Verdade de 2024

Seria muito previsível narrar as famosas cenas, a construção de tensão por meio da “bomba escondida”, que o diretor explica como personagens conversando sem saber que há uma bomba ali, atores famosos com quem dividiu espaço e etc. “Meu Nome É Alfred Hitchcock” opta por um caminho diferente.

Seu interesse está em explorar, através de um vídeo ensaio dividido em capítulos, uma viagem pelo estilo do lendário (e meu favorito da vida) diretor britânico por meio de aspectos incomuns que nem sempre recebem a devida atenção ou estudo.

Em cada parte do filme, há um pensamento sobre uma característica presente nas obras do diretor: o controle da altura nas sequências, a sexualidade entre personagens, a solidão que alguns vivem e tantos outros.

Veja-se por exemplo o tempo. Há um certo controle da duração de algo que os personagens estão envolvidos (das mais variadas formas). Ray Milland, em Disque M Para Matar, está inquieto para o horário combinado que precisa fazer a ligação e, por consequência, dar início ao plano. James Stewart, em “Festim Diabólico”, coloca um relógio manual entre ele e Farley Granger para gerar uma premeditada tensão entre ambos. Há uma cena em Intriga Internacional em que vemos um certo destaque no relógio no pulso de Cary Grant. A sequência terminará com Grant encontrando o antagonista, o qual veremos o seu braço com um relógio impedindo o personagem de passar.

Por isso, o documentário se revela como um dos melhores e mais cuidadosos acervos sobre o diretor. Além de satisfazer seus fãs, fornece informações para a história do cinema. Temos uma passagem onde vemos um corte escondido em Frenesi para indicar uma mudança sutil de tempo e local. Algo que Spielberg faria, de uma forma mais rebuscada, em “Tubarão” para dar a sensação de plano longo entre o garoto na praia e Roy Schneider.

Embora essa habilidade não seja uso exclusivo do inglês, não seria irracional enxergá-lo como um mágico. Da mesma forma que o público dos primórdios do cinema não conseguia notar a “mágica” de Meliés, também há truques em suas histórias que o público geral não observa. Há outros cortes escondidos, desde os mais famosos como “Festim Diabólico” (1948) ao mais desconhecido e quase imperceptível “Valsas de Viena” (1934). Insisto em repetir “ quase imperceptível” porque os exemplos de “cortes invisíveis” sempre derivam de “Festim Diabólico”.

Sem deixar de implementar a própria visão, Mark Cousins, que assina a direção, ressalta um dos temas mais presentes em sua filmografia: cenas que possuem algum diálogo ou semelhança entre si. Veja-se por exemplo uma das locações de “Os 39 Degraus” (1935). A passagem da obra por uma cidade interiorana e pacata está diretamente ligada com o mesmo local visto em “O Terceiro Tiro” (1955).

Além disso, Cousins opta por usar a narração de Alistair McGowan para “falsear” de forma extremamente semelhante a voz original do diretor. Escolha que se revela como uma das melhores ideias do longa. Pois dessa forma, McGowan explora as nuances da voz de Hitchcock carregando com mais peso e remetendo a um específico momento da carreira em que estava mais velho (e mais brincalhão).

O que resulta em diversas piadas curtas e diretas com o espectador. Isso deixa o documentário muito mais dinâmico e nos instrui inconscientemente que é o próprio diretor ali interagindo conosco. Cousins se permite até mesmo a brincar e tenta nos convencer que se trata verdadeiramente de Hitch ali, já que créditos iniciais é informado que a narração é por Alfred Hitchcock

Ao final de toda projeção entendemos que há muito mais em Hitch do que pensamos ou já estudamos. Como se fosse uma fonte inesgotável de conhecimento. “Meu Nome É Alfred Hitchcock” é um dos filmes que mais conseguiu se aproximar da essência do diretor: tanto em estilo quanto personalidade. Sendo assim, chamá-lo de mestre do suspense se torna algo reducionista, visto que “apenas” mestre me parece muito mais justo.

 

______________________________________

|| ASSINE NOSSO PODCAST ||

SpotifyApple PodcastsDeezerCastBoxAmazon MusicPodcast AddictPodchaserRSS

.
.
.

COMO ANATOMIA DE UMA QUEDA CRIA TENSÃO ?

 

Estudou cinema na escola Cinema Nosso e é formado em Estudos de Mídia. Roteirista, futuro diretor e colecionar de HQ. É editor chefe do Canal Claquete. Odeia arrogância no cinema.