“Venezuela”. Mencionar o país vizinho em períodos eleitorais brasileiros é direcionar para a política qualquer conversa, assim como também correr o risco de embarcar em uma discussão superficial sobre economia, democracia e culto a personalidades, visto que a análise da realidade de lá provavelmente parte de estereótipos construídos de um lado ou de outro.
Nesse sentido, sendo filha da terra, a voz da venezuelana Marianela Maldonado ganha relevância por provavelmente falar sobre algo que conhece. A cineasta conduz seu primeiro longa como diretora para o bairro venezuelano de Las Brisas, onde acompanha pelo longo período de dez anos o desenrolar da vida de três jovens participantes de um projeto de educação musical que pode vir a proporcionar um futuro melhor, diferente da miséria em que vivem.
O tom inicial é pomposo, com uma trilha sonora retumbante e narração esperançosa, como se estivéssemos prestes a acompanhar uma história de superação grandiloquente. Esse brilho das orquestras de música clássica é contrastado com a pobreza do subúrbio. Os três jovens caminham ao redor de sujeira e vivem em casas precárias, com paredes quebradas e telhas aparentes. Quando uma das adolescentes tem a oportunidade de se apresentar na Europa, as imagens posando ao lado de carruagens em grandes praças são postas pela montagem em conflito com a lama da terra natal.
A década acompanhando aquelas pessoas traz consigo o poder da intimidade que gera uma naturalidade maior dos personagens no cotidiano, comparado ao que provavelmente ocorreria caso o recorte temporal fosse menor. Aproveitando essa oportunidade, a direção expõe com destreza momentos de felicidade e simpatia simples, como uma família explicando a linguagem de sinais particular.
Buscando fugir de excessos, é curioso perceber que Maldonado também proporciona o distanciamento respeitoso em momentos mais pesados (o velório de um colega), assim como aproxima-se de maneira prudente em passagens emotivas (quando irmãs se despedem, por exemplo). Esse equilíbrio é justificado pelo desenvolvimento prévio que cada situação possui na trama.
Para um dos jovens, ensaiar num quarto sozinho enquanto os fogos de réveillon disparam não é deprimente, e sim motivo de alegria por conta da sensação de liberdade e distanciamento de uma realidade pior que até então vivia. “Liberdade” também é o que os manifestantes gritam quando descamba a crise econômica e social, assim como “liberdade” é a palavra de ordem e defesa no discurso na formação de membros do exército venezuelano.
Por mais que possa parecer a mesma face de uma moeda, a direção não tem medo de se posicionar, visto que faz questão de mostrar que só um dos lados usa gás lacrimogêneo na boca do outro para prender e torturar.
Independente do motivo, irrefutável é que algo ali deu errado, e os meninos de Las Brisas nos lembram que crises econômicas não são apenas números e gráficos: elas destroem sonhos e desmoronam futuros.
No meio do caminho, a maioria é condenada a uma vida pior da que planejou, não por falta de talento ou dedicação, mas pela aniquilação que uma administração estatal autoritária pode trazer.
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