A lendária crítica de cinema Pauline Kael foi uma das primeiras profissionais de grande nome a questionar a autoria do clássico Cidadão Kane (no livro “Criando Kane e outros ensaios”). Para ela, o maior responsável em ter transformado a obra no patamar atual foi o roteirista Herman J. Mankiewicz (Mank). Embora essa defesa não se sustente atualmente, não há problema em um revisionismo desonesto ou desprendido de retratar a realidade quando se trata de uma ficção.
Reforço: quando se trata de ficção ok?
Sob esse aspecto, o habilidosíssimo David Fincher (Clube da Luta e Seven) homenageia o roteiro escrito por seu pai, Jack Fincher, filmando de forma que remeta em estilo ao que foi feito por Orson Welles (guardadas as devidas proporções, é claro). Ou seja, planos sequências, personagens se movimentando do primeiro plano para o segundo plano e uma iluminação intensa (que chega a remeter ao noir).
A maior contribuição do longa certamente é o foco que dá aos roteiristas. Charles MacArthur (O Morro dos Ventos Uivantes), Charles Lederer (O Beijo da Morte), George S. Kaufman (Do Mundo Nada se Leva) e mais alguns outros são vistos como parte intelectual indispensável do processo criativo.
Essa escolha é interessante por dois motivos. O primeiro é fazer uma justiça histórica (o que, de certa forma, é a proposta do longa). E a segunda é se aproximar ainda mais do que Pauline Kael defendia (a crítica valorizava o trabalho dos roteiristas e enfrentava os estúdios quando precisava).
Contudo, Fincher não consegue tornar a experiência algo proveitosa. Os diálogos, por exemplo, que o diretor sempre teve cuidado na forma como filmar, são fotografados da forma mais preguiçosa possível. Em alguns momentos é unicamente plano e contra plano em uma sala com mais de cinco pessoas falando de forma sistemática.
Nem o editor Kirk Baxter (Garota Exemplar e A Rede Social) consegue inserir um ritmo agradável e que justifique as duas horas e onze minutos de duração. Pois a decepcionante direção de Fincher sabota as cenas mais longas (como explicado no parágrafo anterior) e deixa a edição de mãos atadas.
Note-se também que a própria escolha em estilo não passa de uma alegoria visual para deixar a cena mais bonita. Diferente do trabalho de Welles que buscava, através da fotografia, montar a natureza dos personagens, aqui é somente para estética. Se há uma luz na sala, Fincher faz questão de mostrar para você como isso deixa o quadro mais elegante.
Por fim, Mank torna-se somente uma homenagem ao pai do diretor (que faleceu em 2003) sem entregar esse desejo de forma prazerosa ao espectador. Até porque um péssimo roteiro pode ser salvo por uma boa direção, mas uma direção grotesca destrói o mais brilhante dos roteiros.
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