Com o plano que abre Lua Vermelha, filme espanhol de Lois Patiño, o filme apresenta ao espectador um contrato, que o permita experimentar a aspiração mitológica do filme, e sua narrativa fantástica, mesmo sob recursos visuais e de produção relativamente modestos para a escala imaginária que almeja alcançar.

O enredo, mais ou menos como o percebemos: engolido pelo mar, em uma pequena ilha onde a existência humana se esgarça até borrar a passagem dos anos, Rubio, marinheiro que exerce ali certa liderança, cai ao mar e acorda o titã marinho. O mar, esse monstro psicológico e ancestral, se apossa da ilha e instaura uma apatia inelutável sobre seus moradores. O permanente luto por Rubio e a lamentação reverberante pelo estado suspenso das coisas é o que mantém os moradores firmes à própria existência.

O filme faz um interessante exercício de trazer à tela uma sensação de limbo, de suspensão do tempo e das expectativas, e conforma sua respiração nas palavras de lamentação dos seus personagens amortecidos. Inspirando e expirando lembranças e murmúrios, seguimos seu fio estético, em uma espécie de meditação guiada, também pontuada pela presença das bruxas, em seu trabalho lento e urgente de liberação dos corpos.

Em relação à encenação, é muito interessante como o filme adere sem hesitação à vocação teatral colocada na aspiração mitológica de sua narrativa. No que tem de mais interessante, o diretor observa com interesse a presença humana, primeiro como elemento posto na paisagem, com os corpos estáticos que vagueiam em sua interioridade, e depois como ausência demarcada, rumo ao apagamento existencial, novamente lançando mão de um tão interessante quanto simples recurso/objeto de cena. E é bastante hábil na desnaturalização da paisagem, em especial quando esta se soma às construções artificiais, humanas, que da maneira como são filmadas, sem disfarces, deslocalizam e quebram a lógica natural, reforçando a brincadeira teatral.

Narrativamente, o filme está sempre à beira de uma antinarrativa, mas calcula bem os momentos em que deve progredir seu escasso enredo, seja pelo andamento do texto, seja pelo andamento estético; o trabalho visual, em relação aos enquadramentos, fotografia, o sutil jogo de câmera e escolhas de mise-en-scène afinam a progressão do filme, e preparam terreno para o endosso radical às suas próprias regras que o encerra.

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