Exibido na 45ª Mostra de Cinema de São Paulo, o longa-metragem Listen dirigido pela portuguesa Ana Rocha em uma colaboração luso-britânica, narra a luta de uma família de imigrantes portugueses, residindo nos arredores de Londres, para sobreviver e permanecer unida. No roteiro, assinado não apenas pela diretora, mas também por Paula Alvarez Vaccaro e Aaron Brookner, o vilão é o sistema britânico que pune quem deveria ajudar, em uma temática que remete bastante ao filme Eu, Daniel Blake de Ken Loach (2016).

Bela, interpretada por Lúcia Moniz, rosto conhecido do público por seu papel na comédia romântica Simplesmente Amor (2003), e Jota (Ruben Garcia), vivem com seus três filhos: o adolescente Diego, a bebê Jessy e Lu, uma criança com deficiência auditiva. Enquanto Bela se desdobra entre trabalhos informais, os cuidados com as crianças e até mesmo pequenos furtos de alimentos, Jota é um artista frustrado que passa a maior parte do dia em casa aguardando o recebimento do pagamento por um serviço de marcenaria executado, porém não legalizado – o que dificulta o processo.

Dependendo de ajuda financeira tanto para as necessidades mais triviais quanto para o conserto do aparelho auditivo de Lu, tamanho é o seu grau de necessidade, a família entra em colapso e acaba chamando atenção de autoridades e órgãos locais. Considerados inaptos para criar e sustentar as crianças, o casal perde a custódia de seus três filhos para o estado britânico.

A partir daí inicia-se uma verdadeira “luta contra o sistema” para que o casal possa se restabelecer financeiramente e recuperar seus filhos. Bela e Jota passam a viver uma verdadeira corrida contra o tempo e as burocracias, em um país estranho à eles, para que as crianças não sejam adotadas por terceiros (que recebem estímulos financeiros para isto), tornando impossível a retomada da guarda e consequentemente a reunião da família.

Durante este processo a falta de empatia e comunicação é latente, com a personagem Lu sendo a epítome e a representação viva da impossibilidade versus a necessidade de diálogo entre as partes, expondo um sistema que prioriza inúmeros fatores, exceto o bem-estar das crianças envolvidas.

Assim como a falta de comunicação, o caos e o desequilíbrio são gritantes em toda a trama e estão presentes nas relações econômicas e burocráticas apresentadas, no tratamento oferecido às crianças pelo próprio sistema que deveria protegê-las, no relacionamento entre Bela e Jota e no estado emocional de todos os envolvidos, que oscila entre fúria e apatia.

Ironicamente em uma produção em que a dificuldade de comunicação é um dos maiores planos de fundo da história, em termos técnicos a captação de áudio deixa muito a desejar assim como a dicção de alguns atores, tornando alguns diálogos impossíveis de serem compreendidos na íntegra. Listen possui cenas em português (Portugal) e inglês, e a clara necessidade de legenda para ambas as línguas, até mesmo para nós, brasileiros.

A obra é difícil e incômoda de ser assistida e provoca grandes questionamentos e catarses no espectador. O final, que possivelmente desagrada alguns, choca olhares mais sensíveis ao expor o silêncio e o vazio do que não precisa ser contado para ser entendido. Mais uma produção dirigida por uma mulher e que merece destaque.

Confira os textos sobre alguns filmes da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo: AQUI

 

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ESQUEÇA A MARVEL!

Amanda Luvizotto é arquiteta, crítica de cinema formada pela Academia Internacional de Cinema do Rio de Janeiro. Integrante do grupo Mulheres no Terror, estuda sobre o papel da mulher no cinema e tem na leitura um de seus grandes prazeres. Estudante de cinema e eterna fã e defensora de Xavier Dolan.