Quentin Tarantino, cineasta conhecido por seu uso de violência de uma forma poética e suas narrativas não lineares usa tais características no clássico Kill Bill, inicialmente pensado como um único filme, mas posteriormente divididos em dois volumes.

A narrativa principal do longa é a vingança, já mostrada no primeiro minuto de filme, após os créditos, pela frase “a vingança é um prato que se come frio” que será um dos principais sentimentos a motivar a protagonista, “a noiva” (Uma Thurman), em toda sua jornada. Na primeira cena, apresentada em preto e branco, a noiva se encontra deitada no chão, ensanguentada e com um personagem que conseguimos identificar pelo nome Bill, pela estampa do lenço usado para limpar o suor. Quando Bill atira na cabeça da protagonista é revelado que ela está grávida com o bebê dele.  A próxima cena, na sequência, já demonstra com clareza um método do contraste de cores muito utilizado por Tarantino no decorrer dos dois volumes para definir cada cena e momento com clareza.

 

A próxima cena da trama indica o primeiro alvo a ser apresentado para os espectadores, e já ao sair do carro nos deparamos com uma casa tipicamente do subúrbio americano. A ambientação da casa com os brinquedos infantis espalhados pelo quintal, a cor verde forte com detalhes amarelos, janelas roxas e a caixa de correio em primeiro plano dão uma sensação cartunesca quase forçada de normalidade, que será quebrado imediatamente, quando a protagonista chega a casa e se depara com Vernita Green ( Vivica A. Fox) que já no primeiro contato é apresentada como uma das pessoas presentes no episódio mencionado nos minutos iniciais da trama.

A cena do flashback que nos apresenta essa informação é colorizada por um vermelho alaranjado que estará presente em vários outros momentos para indicar os confrontos principais. A cor vermelho, como muitos sabem, pode indicar diversas coisas como paixão, sexo, estímulo, apetite, violência dentre outros, no entanto, no contexto específico da cena provavelmente indica raiva, mas não só a raiva que é sentida pela personagem principal, como também a que é transmitida para nós. O vermelho causa agitação, aceleração no batimento cardíaco, nos faz sentir a emoção com mais vitalidade e ampliar a conexão com uma personagem que sabemos tão pouco ainda.

Ainda na casa, após uma cena de luta temos uma aparente calmaria, causada pela entrada da filha de Vernita, no entanto, o quadro na parede da cozinha, com a mancha de sangue é um prelúdio que tal calmaria não irá durar. Além disso, o quadro pode significar, também, que todos que passaram pela vida de assassinos nunca voltarão a uma normalidade, por mais que, como indica a primeira cena da casa, tentem se forçar a isso.

Posteriormente, na cena do hospital, observamos novamente um contraste nas tonalidades que se tornam frias. No entanto, a disparidade entre as primeiras cenas ambientadas no hospital em que a protagonista se encontra em coma e uma nova assassina é apresentada aos espectadores, Elle Driver (Daryl Hannah) que só no figurino já traz um estilo bem caricato, no entanto, o que chama a atenção é o contraste entre os tons dessa cena em que “A noiva” está inconsciente ainda que ameaçada de morte para algumas cenas seguintes em que ela acorda do coma e percebe que perdeu seu bebê.

Tal cena é colorizada com um azul esverdeado e com contrastes bem acentuados evidenciando o suor e o desconforto e, consequentemente, nos deixando desconfortáveis. Novamente, o filme cria meios para que nos tornemos empáticos com os sentimentos demonstrados pela protagonista.

Outra sequência que vale ser destacada é no atelier de Hattori Hanzo (Sonny Chiba) em que na primeira apresentação, o ambiente é tomado por cores verdes e texturas amadeiradas com luzes mais puxadas para o branco nas lâmpadas e na iluminação natural. No entanto, na cena da entrega da Katana a ambientação muda sutilmente. Ainda que as texturas e tons do cenário sejam os mesmos, a tonalidade das velas iluminando a cena e os contrastes suavizados criam um sentimento intimista e de conforto, dando a ideia de segurança e calmaria antes da grande batalha.

Um dos maiores símbolos do longa é o icônico uniforme amarelo que é descrito como uma alusão a Bruce Lee no filme “Jogo da morte”. No entanto, o uniforme amarelo, também, pode ser visto para destacar a protagonista do restante, colocando-a, visualmente, no ponto focal de todo o jogo de vingança. Nos últimos momentos do volume 1 todo o cenário é utilizado com tons mais neutros amadeirados, enquanto o figurino dos oponentes é majoritariamente composto de ternos preto e branco.

Outro contraste, presente simbolicamente na cor do uniforme é que o amarelo costuma significar otimismo, alegria, positividade, sentimentos compreendidos como bons, enquanto que nesse filme é diretamente ligado a um símbolo da vingança, analisando mais a fundo pode-se concluir, ainda, que a vingança é a única coisa que traz a protagonista a felicidade, pensamento, inclusive, evidenciado por Bill no final do segundo volume.

Na sequência do massacre na parte interior, passamos para uma cena externa em que o esperado confronto entre “a noiva” e O-Ren Ishii (Lucy Liu) é ambientado. A cena faz alusão a primeira frase mostrada no filme “a vingança é um prato que se come frio”, sendo toda a cena coberta por neve, consequentemente tendo o branco como cor dominante. Nesse sentido, o uniforme da protagonista fica ainda mais em evidência do que estava antes, se tornando mais forte como ponto focal. Outra razão para essa escolha é o sangue que jorra da cabeça da oponente que se torna ainda mais vivido.

Finalmente, na cena final do primeiro volume, o vermelho alaranjado que aparece em vários momentos durante a trama colore todo o céu enquanto a protagonista observa a lista, mostrando que o sentimento de vingança não diminuiu ao decorrer de todos os assassinatos e que ela não irá parar até que todos tenham sido eliminados, nos instigando para as próximas etapas.

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COMO TARANTINO FILMA?

 

 

Isabella Vasconcellos
Estudante de Arquitetura e Urbanismo, aspirante a cenógrafa, apaixonada pelo rico universo cinematográfico, principalmente, o modo como os cenários, contrastes, cores e texturas contribuem para uma boa narrativa.