Diferente dos outros movimentos e períodos históricos, a Nouvelle Vague não carrega um consenso que marca o seu início. A Nova Hollywood, por exemplo, costuma ser registrada com ‘Bonnie e Clyde: Uma Rajada de Balas’ (1967) ou em  ‘A Primeira Noite de um Homem’ (1967). Já os franceses possuem um vasto acervo e dependendo dos critérios que definem o período, as opções ficam maiores.

Para David Bordwell e Kristin Thompson, em Film History: An Introduction, os filmes de Claude Chabrol são os predecessores. ‘Nas Garras do Vício’ (1958) e ‘Os Primos’ (1959) recebem destaque de ponto de partida do movimento de autores que enxergam uma relação com a revista Cahiers du Cinéma e os primeiros filmes dos que lá escreviam (Bazin desafiou seus colegas de trabalho a irem nas ruas e filmar).  Porém, outros vão buscar compreender o período baseando-se na estética das obras. Philip Kemp, em Tudo Sobre Cinema, pontua que ‘Acossado’ (1960) é o expoente máximo desse período, algo que soa como um consenso entre críticos e historiadores e escreve que: “ele (Godard) se baseava em uma  história de Truffaut e exibia todos os elementos que fundamentavam o estilo desse movimento”.

Então, se analisarmos a Nouvelle Vague deste modo, dois filmes de Louis Malle deveriam ser mencionados como pioneiros. Ascensor para o Cadafalso e Amantes foram lançados em 01 de fevereiro e 05 de novembro de 1958 respectivamente, portanto, antes das produções de Chabrol que, embora também seja informado que o lançamento foi feito em 1958, ‘Nas Garras do Vício’ sairia somente em 10 de janeiro de 1959. Pouco se relaciona de Malle com a New Wave, embora seus temas, estilos e direção de atores poderiam ser equiparados tanto a Chabrol quanto a Truffaut.

Outros nomes poderiam ser citados para deixar a discussão mais complexa. Para Roger Ebert, Melville era quem ocupava esse posto. Em ‘Grandes Filmes ‘ ele relata que: “Bob, o Jogador (1956) de Jean-Pierre Melville, tem o direito de reivindicar o título de primeiro filme da nouvelle vague francesa. Daniel Cauchy, que representa Paolo, um jovem e inexperiente amigo de Bob, lembra que Melville filmou algumas cenas na locação usando uma câmera portátil apoiada sobre uma bicicleta de entregas, método que Godard usaria em ‘Acossado’, antes que o próprio Godard”.

Porém, se recuarmos um pouco mais no tempo, precisamos valorizar mais Agnès Varda, que é inegavelmente a figura feminina mais forte que surgiu e que pouco se escreve que ela poderia ter sido a precursora com o seu primeiro longa, ‘La Pointe Courte em 1955’. A qual somos apresentados a algumas das características que se repetiriam na filmografia da diretora.  Alguns nomes também poderiam ser citados e vistos como injustiçados, como Alexandre Astruc, Georges Franju e Roger Vadim. Por isso, o que precisa ficar claro é a dificuldade que existe em um consenso do marco inicial do período.

Sendo assim, não deveríamos defender um ou outro como precursor, isso é desnecessário. Acredito que são dois fatores que viciam críticos e historiadores a sempre citarem os mesmos nomes e deixar tantos de fora. E perceba que muitos desses que não recebem esse tipo de créditos fazem parte de um cinema anterior a Nouvelle Vague.

O primeiro é o artigo de Truffaut intitulado “Uma Certa Tendência do Cinema Francês” (Une certaine tendance du cinéma français) lançado em 1954. O texto é bem crítico e duro com os roteiristas Jean Aurenche e Pierre Bost (que na época possuíam prestígio) e os usa como símbolo de tudo o que havia de errado com o cinema francês até o momento (embora o autor reconheça nomes de valor no país) Truffaut criticou a maneira como os filmes eram feitos. Podemos resumir o seu argumento no julgamento que o próprio fez sobre as obras desses roteiristas soarem vazias e sem a alma de um realizador. A qual, em termos de imagem, não eram potentes ou narrativamente interessantes. O jovem os classificou como filmes de roteirista (não cinematográficos). E sob esse aspecto, muitos deduzem erroneamente que o cinema clássico francês não prestava ou era no máximo um pastiche de Hollywood.  “O jornal desprezava o cinema francês conservador da época e, no lugar dele, defendia os diretores americanos e o desenvolvimento de uma teoria autoral” escreve Philip Kemp (pág 248)

Mas isso não é verdade. Embora Jacques Rivette não gostasse de Jacques Becker, Truffaut gostava. Truffaut e Rivette não gostavam de René Clément, mas Pierre Kast achava Clément o melhor diretor da época. O cinema francês clássico era extremamente rico e repleto de grandes nomes como Henri-Georges Clouzot (que chegou a ser exageradamente comparado a Hitchcock), Jean Vigo, Robert Bresson e Jean Renoir.

É injusto desmerecer um período para favorecer outro e  arbitrário afirmar que os realizadores antes da Nouvelle Vague estavam em um escalão mais baixo. Julien Duvivier, por exemplo, foi um diretor com filmes que Orson Welles admirava e respeitava, mas que morreu amargurado em 1967 devido aos ataques que recebia da Cahiers du Cinéma. O mesmo poderia-se dizer de Marcel Carné, que foi rotulado como incapaz de estar à altura da genialidade de Jacques Prévert.

O segundo ponto é a própria compreensão do que foi a Nouvelle Vague. A melhor forma de definir o período é entender como uma mudança na atmosfera cultural na França em meados dos anos 50 feita por jovens do pós-guerra. O termo foi dado pelo jornal L’Express em 1957 (assinado por Françoise Giroud) e abraçado rapidamente por André Bazin. Embora, no artigo pouco se escreveu do cinema em si, o foco era sobre a troca de gerações e como os jovens franceses estavam ganhando posições de prestígio na sociedade.

Isso aconteceu porque na década de 1950 concentrou-se  de forma mais específica a entender a figura da juventude. Vários órgãos distintos de imprensa produziram pesquisas para estudar comportamento e características do setor juvenil (o próprio jornal L’Express propôs um questionário aos leitores que tinham idade entre dezoito a trinta). O sociólogo Edgar Morin, por exemplo, escreveu que os adolescentes eram marcados por tédio, tristeza e melancolia, por ser a geração posterior à segunda guerra mundial e a que viveu sob a inquietação causada pela possibilidade do conflito nuclear.

Não houve um filme ou momento específico que despertou o período e pelo contrário, foi um caminho pavimentado a passos curtos. Se houvesse necessidade em se destacar algo mais concreto, poderíamos citar André Malraux, ministro da cultura da França, que alterou a conjuntura de como os filmes eram feitos no país e liberando financiamento para realizadores novos. O resultado foi a produção de cerca de 100 obras em poucos anos, gerando assim uma onda de longas-metragens. Desta forma o termo se espalhou na sociedade francesa.

Portanto, não precisamos (e não devemos) desmerecer os antecessores da Nouvelle Vague e nem destacar algum pioneiro, uma vez que os filmes eram diferentes entre si. Cada um proporcionou uma contribuição específica possibilitando um dos mais influentes movimentos da história do cinema.

Fontes:
O filme manifesto da nouvelle vague (por Luiz Zanin): https://shre.ink/rck5
Fredrik on film: https://shre.ink/rcko
Roger Ebert – Grandes Filmes
François Truffaut: https://shre.ink/rckS

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ATUANDO COMO SUPER-HERÓI

 

 

Estudou cinema na escola Cinema Nosso e é formado em Estudos de Mídia. Roteirista, futuro diretor e colecionar de HQ. É editor chefe do Canal Claquete. Odeia arrogância no cinema.