“Como vender livros sem uma polêmica? Eu preciso de uma polêmica.”

Troque “livros” por “música” e “polêmica” por “virais do Tik Tok” e trace os paralelos com os dias atuais. São tempos difíceis para a arte sincera. Tanto hoje, quanto no Séc. XIX, espaço temporal de Ilusões Perdidas.

No filme, o poeta Lucien se muda para Paris carregando uma mala cheia de sonhos e ingenuidades que só a juventude pode oferecer. Na capital francesa, desejando ver suas obras publicadas, quebra a cara, conhece vigaristas, se aproxima de enganadores e aprende a ser um picareta, usando a tática de desconfiar de todos como resposta às maldades e injustiças que o mundo lhe ofereceu.

A direção de Xavier Giannoli transpõe bem à tela o texto irônico-realista de Balzac, não só nas falas dos personagens (os comentários sobre o “teatro do intervalo” ser maior que o do palco, por exemplo), mas principalmente nas imagens: como prenúncio de uma Paris utópica demais pra ser real, o primeiro passo que Lucien dá ao descer da carruagem e chegar na capital é sob o sujo lamaçal da cidade-luz.

Primeiro mancham-se as botas, depois, a dignidade.

Há no filme belas contraposições entre o Romantismo e o Realismo como correntes artísticas. As pinturas românticas têm como uma característica a exaltação das emoções, um empréstimo do olhar subjetivo do artista para a tela. Enquanto escreve no campo, ao ar livre, Lucien é visto em close, com a natureza atrás dele distorcida e sob cores saturadas, representando a imersão e turbilhão de sentimentos que o jovem poeta sente no momento. É o justo estado de espírito do artista projetado na tela.

Entrando na espiral da falsidade de Paris, esse estado de espírito idealista é substituído pelo cinismo e pela ganância. Uma elipse temporal que salta de uma pintura romântica para um sexo carnal na carruagem é um exemplo criativo da mudança de ares do poeta.

Não que a decadência moral de Lucien seja representada pelo sexo, mas sim pela desonestidade praticada para subir na vida. As decepções e contrariedades são mostradas com esmero por diversos elementos do cinema: quando aristocratas influentes descobrem que o protagonista não é ninguém importante ou nobre, ouvimos o som de um portão fechando.

Imagens de Lucien tentando pegar com as mãos a fumaça de um cigarro são contrapostas às inúmeras tentativas dele em conseguir o título de nobre que lhe daria mais oportunidades. Ao saber da possibilidade de um encontro com um antigo amor, Lucien é enquadrado sob duas portas. Quando o amor atual passa por ele e lhe dá um beijo, a câmera se afasta e ele fica mais diminuto, mais encolhido e pressionado entre a soleira.

Expondo que os bastidores do ofício artístico podem ser tão charmosos quanto os de um verdureiro, Ilusões Perdidas é pessimista na revelação da mensagem que talvez já saibamos, mas que por vezes ignoramos: quando o assunto é audiência, a verdade sensata sempre esteve em desvantagem com a polêmica inventada e cruel. Ou com virais do Tik Tok.


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VISÃO GERAL
Avaliação
Messias Adriano
Concluiu cursos ministrados por Pablo Villaça e o Curso Básico de Cinema da Casa Amarela (Universidade Federal do Ceará). Assiste muitos filmes, lê muito sobre cinema. Embora saiba que pra vencer importa mais campanha do que qualidade, sempre se empolga com temporadas de premiação.
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