Por Paulo Campos
Contém spoilers.
First Cow – A primeira vaca da América, o novo filme da diretora Kelly Reichardt, é construído ao redor de Otis Figowitz (John Magaro), ou “Cookie”, um caçador no Oregon de 1820. Naquele território, Cookie, conhece o imigrante chinês King-Lu (Orion Lee) e ambos tentam enriquecer a partir da primeira vaca trazida para a região. O problema é que, diferente de quase todos os outros recursos ali presentes, aquela vaca faz parte da propriedade privada de um homem rico (Toby Jones).
O mundo da fronteira é reconstruído pela diretora a partir de dois elementos: a natureza e o trabalho. Durante todo o filme, acompanhamos os movimentos da fauna e flora local, em enquadramentos que ditam um ritmo lento à narrativa, e ao mesmo tempo passam uma noção de indiferença daquele mundo frente aos acontecimentos. Através do seu trabalho, os homens brancos mal conseguem arranhar aquela natureza dominante. Como afirma King-Lu, eles teriam chegado cedo demais àquele território, antes mesmo da própria História.
O protagonista Cookie é caracterizado pela da maneira peculiar com que interage com o mundo: seja ao conversar com a vaca enquanto tira dela o leite, seja ao ajudar um lagarto a seguir o seu caminho pela floresta, ele se mostra um homem carinhoso e inocente, que busca conviver com a natureza enquanto obtém dela sua subsistência. Seu jeito peculiar atrai a hostilidade dos homens ao seu redor, habituados a uma vida de fronteira e crentes na submissão de tudo ao seu poder.
Apesar de também manter uma relação de exploração com o mundo, King-Lu é o único que interage de forma diferente com Cookie. O sentimento empreendedor do chinês, que passa o tempo pensando em formas de se aproveitar daquela terra, complementa a ingenuidade artesanal de Cookie de maneira surpreendente, e eles acabam desenvolvendo uma improvável amizade.
Entretanto, por mais bonito que fosse, o Oregon de 1820 não era um lugar para os “homens pequenos”. O truque da dupla, que fabricava bolinhos a partir do leite roubado da vaca, é descoberto. Aquela vaca estava protegida pela recém instaurada propriedade privada, separada da natureza que era livremente utilizada por Cookie. Sua transgressão tinha que ser punida, e nem sua ingenuidade, nem a engenhosidade de King-Lu, seriam suficientes para que lhes salvar.
O fatalismo que permeia a obra desde seu prólogo, quando uma jovem encontra um par de esqueletos enterrados na floresta, manifesta-se totalmente em sua última cena. O filme se encerra sem um grande momento dramático, e a violência que provavelmente se abaterá sobre a dupla não é mostrada para nós. Dessa forma, o tenso equilíbrio entre inocência e fatalismo que a diretora constrói não é perturbado.
O filme teve sua estreia comercial nos EUA em março de 2020. Em função da pandemia de covid-19, só pode estrear nos cinemas brasileiros em junho deste ano. No mês de julho, está programada sua exibição na plataforma online Mubi.
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