Um olhar delicado sobre a vulnerabilidade social na infância
O cinema de Diana Cardozo segue a tendência do novo cinema latino, com forte argumento social e temporalidade naturalista tal como o costa riquenho Clara Sola (2022 Nathalie Álvarez Mesén) e o também mexicano Los Lobos (2021 Samuel Kishi Leopo).
Entretanto, Estação Catorze inova em seu formato 3×4 apresentando ao espectador a ótica de Luís (Gael Vázquez) um menino de 7 anos que convive diariamente com a tensão da violência em sua pequena cidade, bem como a dura realidade social de sua família. Estação Catorze apresenta um pequeno recorte temporal da rotina de Luís, porém com acontecimentos que marcaram a vida do menino para sempre.
O filme se inicia com um violento ataque equivalente a uma guerra civil, na pequena cidade mexicana onde mora a família. Com planos bem fechados, ruídos estridentes e a câmera trêmula, o espectador é levado a sentir o medo que os personagens em tela vivem nessa situação, que embora seja rápido é rotineiro e intenso.
Após o fim do ataque Manuel (José Antonio Becerril) o pai de Luís, leva o menino consigo até a rica casa que foi atacada para aproveitar o saqueamento da vizinhança e roubar um grande sofá vermelho com design luxuoso. Tudo para o menino Luís é intrigante, porém natural e sem grandes sentimentos ao olhar os corpos ensanguentados no chão, o forte incêndio, bem como os saques de todos os tipos de objetos. O grande sofá é levado para a casa da pobre família e acaba servindo apenas como poleiro para as galinhas do quintal.
O sofá simboliza a possibilidade de uma vida próspera aos olhos de Manuel, que mal recebe o suficiente em seu trabalho como mineiro para bancar as contas da casa. Contudo, aos olhos de uma criança de sete anos, tudo soa natural, sem maiores questões dramáticas.
Há também outros dispositivos que representam imagéticamente essa busca pela prosperidade, inalcançável para Luís e seus familiares. É o caso do trem que cruza a pequena cidade, inabalável, forte e rápido levando diversos containers e usando apenas o trilho como percurso sem paradas, onde as crianças fazem a sua brincadeira mortal de ficar esperando o trem chegar perto.
Existe também o presente do pai Manuel, uma bola de futebol oficial, o qual ele não dispunha da quantia para comprar, mas mesmo assim paga pelo presente do filho, quase que como uma questão de honra. Futuramente, Luís irá arriscar a própria vida buscando a bola que caiu acidentalmente em um rio.
A obra de Diana Cardozo é repleta de simbolismos nas entrelinhas, onde cada cena tem seu real propósito, mesmo que em um primeiro momento o espectador não perceba imediatamente.
A narrativa a partir da ótica do menino traz um viés naturalista e passivo da câmera, como se esta estivesse aguardando o próximo ato, assim como Luís vive a sua infância. Fato este oposto ao papel do pai Manuel, onde tudo e qualquer coisa requer um esforço descomunal para atingir seus objetivos.
O transporte do sofá é um dos momentos marcantes do filme onde o caminho se torna uma verdadeira via crucis. Contudo, o ponto mais alto da obra transcorre minutos antes dos créditos, quando Luís passa por um trauma e aprende a conviver com a dor/frustração. Trata-se de um amadurecimento precoce na vida do pequeno.
Estação Catorze integra a programação da 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo através da Perspectiva Internacional.
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