“Graças a deus e ao Congo Mirador você tem um telefone a esse preço revolucionário!” Tentando angariar votos para a reeleição, essa é uma das frases que a representante do povoado de Congo Mirador diz a um eleitor. Em vão, visto que, pouco tempo depois, ela liga para um superior solicitando dez telefones para “presentear“ os votantes e solucionar a demanda pela qual é cobrada.
Era Uma Vez Na Venezuela acompanha por alguns meses o cotidiano do povo ribeirinho que vive no local chamado Congo Mirador. A extração de petróleo do lago maior polui o rio e prejudica os habitantes do povoado, que desde então vivem sob constante ameaça de, por falta de opção, terem que deixar o local.
Apesar da pobreza da região, há nos moradores um orgulho do local. As belas músicas que exaltam o povoado refletem a dificuldade que teriam aquelas pessoas em serem obrigadas a deixar pra trás o Congo Mirador, onde viveram por anos.
A organização política é bagunçada. O amor e devoção da representante local por Hugo Chávez chega a ser cômico, com fotografias, faixas e bonecos (sim, bonecos) do ex-presidente venezuelano espalhados pela casa. Vota em Nicolás Maduro dizendo nem saber direito quem seria o presidente, contanto que continue o legado de Chávez.
No meio da confusão e da compra de votos, as cobranças. Uma draga supostamente resolveria grande parte do problema ambiental e econômico do povoado, mas a embarcação nunca vem. Há no filme o registro de uma reunião entre a representante local e o governador que chega a ser embaraçosa. Apesar do bom humor, cortesia e educação do político mais poderoso, não há sequer espaço para que sejam feitas e detalhadas as demandas do povoado. Tomam um bom café da manhã, mas saem com um tapinha nas costas, quase um “beleza, vou ver e te aviso“.
A direção de Anabel Rodriguez Rios é discreta, evitando narrações expositivas. Funciona muito bem. Adentra as palafitas e captura planos curiosos, como aquele no qual é feito uma simples mudança no foco enquanto xerife discursa e que revela o tédio das crianças presentes, ou as grandes angulares registradas nos trajetos feitos a barco.
O terço final impressiona. A denúncia do documentário possui mensagem clara de crítica, mas não traz respostas fáceis. A tragédia era anunciada, e quando a miséria chega, atinge a todos, sejam eles apoiadores do rei, sejam eles os opositores.
Encerrando em tom cínico de desilusão política, Era Uma Vez Na Venezuela liga um sinal de alerta a quem acredita cegamente em projetos políticos. A decepção é que o povo parece uma grandiosa e monumental força da natureza, mas, na verdade, é impotente e incapaz de produzir mudanças efetivas. Assim como os raios que toda madrugada iluminam o Congo Mirador, mas não produzem som algum.
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