O que diabo é “Otsoga”? Uma cidade japonesa que eu desconheço por ser ignorante? O nome de alguma personagem do filme? Uma comida exótica? Perguntas que me fiz antes de começar a assistir e cuja resposta tive quando percebi a ordem e dinâmica da narrativa (não, não é uma cidade japonesa).

Três amigos se divertem e interagem em uma casa isolada. Logo depois, letreiros informam que estamos vendo os dias em ordem não cronológica, de trás para frente. Essa progressão dialoga bem com um detalhe quase que imperceptível: os créditos iniciais revelam primeiro a última letra de cada sobrenome e deixam a primeira letra aparecer por último. É aí entra o tal do otsoga. O dia a dia de um mês incomum.

O limite do ficcional é rompido e o viés documental de registros de filmagens se desnuda: atores intercambiam a fala e a atitude um dos outros, como se experimentassem para um melhor resultado. Crista Alfaiate interpreta Crista, Carloto Cotta (o “Cristiano Ronaldo” em Diamantino) vive Carloto e João Nunes Monteiro vive João.

Mas não necessariamente Crista interpreta Crista, ou Carloto interpreta Carloto ou João interpreta João o tempo todo. Sacaram? Na frente da casa onde Diários de Otsoga foi filmado deveria ter uma placa escrito:

“Regras: Não Há Regras”

Ou “Ordens: Não Há Ordens”, no sentido temporal e disciplinar, visto que, quando atores perguntam ao diretor como tal personagem deve se portar, questionam sobre como poderiam construir uma espécie de experiências pregressas dos personagens além do que o roteiro mostra, não há respostas objetivas dos realizadores. A linearidade ficcional não é a proposta do filme.

Apesar dessa dinâmica e falta de recompensas tornarem o desenrolar um tanto quanto cansativo no segundo ato, em vez de bagunçado, esse “caos controlado” possui muito mais a façanha de instigar a curiosidade: até onde isso tudo vai?

Os três personagens constroem e desconstroem (dependendo do ponto de vista) uma espécie borboletário, assim como constroem e desconstroem as relações entre si, expandindo também para além do trio e chegando a interagir com outras pessoas da produção, além do diretor.

A fotografia granulada, com cores saturadas e emulação de película com marcas de desgaste pelo tempo compõe uma estética saudosista contraposta a temas atuais: isolamento e “novo normal”.

Afinal, o mundo muda e essas alterações fazem parte do desafio de todos, inclusive de artistas. A preparação para uma eventual adaptação brusca é necessária. Vai que surge uma pandemia e todo mundo tem que mudar os planos de uma hora pra outra, né? Sei lá, pode acontecer.

 

 

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COMO DESTRUIR UM CASAMENTO ?

 

Concluiu cursos ministrados por Pablo Villaça e o Curso Básico de Cinema da Casa Amarela (Universidade Federal do Ceará). Assiste muitos filmes, lê muito sobre cinema. Embora saiba que pra vencer importa mais campanha do que qualidade, sempre se empolga com temporadas de premiação.