A contemporaneidade feminina e queer do cinema novo brasileiro 

Carvão é um filme com protagonismo rural e chucro, porém com forte presença feminina. Seguindo no viés da indústria em incluir maior participação das mulheres em papéis de destaque tanto em quadro quanto por trás das câmeras, a obra aborda questões fortes sobre sobrevivência e elos familiares.

Irene (Maeve Jinkings) é uma mulher forte e chefe da sua pequena família formada apenas por homens, seu pai idoso no leito de morte, o marido encostado que nada contribui na rotina da casa e o filho de oito anos que ajuda esporadicamente quando a mãe ordena. Eles moram em uma singela casa no interior do estado de São Paulo e têm uma carvoaria no terreno de onde vem o sustento financeiro familiar.

Mesmo sendo uma dura realidade com gente muito simples, isso não impede que a história transcorra de forma interessante e por vezes inesperada, somada à pitadas de humor ácido nos diálogos que ajuda a trazer leveza ao filme.

Percebe-se na obra de Carolina Markowicz uma constância em quebrar estereótipos, revelando ao espectador uma visão nua e crua da real identidade de cada personagem. Isso fica evidente em Juracy (Aline Marta Maia), a agente comunitária do SUS que no lugar de levar apoio e ajuda, revela-se uma fonte de corrupção sem qualquer moral.

Outro ponto de virada inesperado se dá em Jairo (Rômulo Braga) onde deveria representar o papel de homem macho e chucro, trás consigo uma grande revelação LGBT. Vale destacar também o menino Jean (Jean de Almeida Costa) que em sua primeira atuação, consegue trazer ainda mais veracidade para a narrativa.

Já o grande antagonista da história, que não se resume exclusivamente a este papel, Miguel (César Bordón) é o traficante foragido que se esconde na casa da família em troca de dinheiro. Através dele, a dinâmica da casa muda de acordo com os “protocolos de segurança” e o homem vira um grande influenciador nas vidas de Irene e Jean.

A direção de Carolina Markowicz é cheia de significados e usa estratégias de linguagem para a construção do filme. Isso se dá no timing dos cortes da montagem, ora feitos para choque das imagens ora para situações inusitadas de humor. A fotografia com seu tom granulado lembra película e enquadra os planos muitas vezes visando a beleza da rotina dura da família, há uma cosmética da fome em sua forma de filmar o trabalho de Irene.

O filme mostra o lado de quem precisa ser sórdido para sustentar a própria família, e isso não se resume a um provável mau caratismo das personagens. Como diz Irene,  “a gente aprende a sofrer pra dentro”. Carvão é um daqueles filmes que surpreende o público e revela um Brasil tão comum, porém invisibilizado pela sociedade intelectual e urbana. Uma obra importante e necessária que merece chegar aos olhos de milhões de brasileiros.

 

 

Confira os textos sobre filmes da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo: AQUI

 

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