Em um primeiro momento, Carnival Row, nova série da Amazon Prime, pode parecer somente uma fantasia noir, mas após algumas cenas entendemos como a mesma é brutalmente real. Desenvolvida pelo showrunner Marc Guggenheim e escrita por Travis Beacham, trata-se de uma distopia vitoriana, onde criaturas fantásticas e humanos dividem a mesma cidade em um cenário Pós-Guerra.
Tal convivência torna-se hostil uma vez que todos passam a disputar um lugar na estrutura social e econômica do local. Um enredo onde a presença de refugiados e imigrantes é contestada por habitantes locais gerando conflitos não é coincidência, principalmente se traçarmos um paralelo com a atual crise migratória nos Estados Unidos e na Europa, e a crescente onda de movimentos xenófobos em todo o Mundo.
Porém, se considerarmos a série uma candidata a substituir o “vazio fantástico” deixado por Game of Thrones (HBO), a decepção é certa e justifica algumas das duras críticas que vem recebendo. Apesar da quantidade de pontos em comum em sua temática e até mesmo alguns atores, Carnival Row possui outra abordagem, aparentemente menos complexa e extensa que Game of Thrones. Esta diferença é natural, visto que uma tem como base uma série de livros ainda não finalizada enquanto a outra era inicialmente um roteiro para o cinema, escrito há 17 anos.
Todo este universo – cuja estética das criaturas fantásticas é muito similar à presente nas histórias de H. P. Lovecraft – é apresentado ao telespectador majoritariamente através da perspectiva e da relação entre o casal protagonista Vignette e Philo, interpretados por Cara Delevingne e Orlando Bloom.
A atuação de Cara como a destemida fada pode surpreender os que conhecem o trabalho da atriz nos filmes Cidades de Papel e Esquadrão Suicida; se antes a mesma falhava em trazer sentimento às suas personagens, realizando um trabalho frio e monocórdio, como Vignette sobram expressões e emoções que funcionam muito bem em conjunto com sua química com Bloom. O elenco também possui outros nomes conhecidos como Jared Harris – visto recentemente na excelente Chernobyl (HBO), Indira Varma e Karla Crome, em uma atuação de destaque como Tourmaline.
É curioso ver a maneira como é abordada a relação entre humanos e seres mágicos, e os conflitos resultantes da sua convivência. Se por um lado humanos sentem-se lesados por verem fadas e faunos – dentre outros – ocupando empregos e um espaço cada vez maior na sociedade, por outro acompanhamos a situação deplorável na qual os refugiados chegam ao Burgo (região habitada pelos humanos), passando a viver de forma precária e marginalizada, ocupando subempregos, sendo comercializados como escravos e morando em uma espécie de gueto, que é a Carnival Row.
O preconceito por parte dos humanos é explícito, dirigindo-se de forma depreciativa aos indivíduos de outras espécies, e não confiando na capacidade dos mesmos (vemos o exemplo de um açougueiro que anteriormente era médico em sua terra natal, cujo exame de autópsia não é tratado com credibilidade quando executado). O conflito cresce tomando grandes proporções, levando a consequências como o início de movimentos radicais de ambos os lados e também se tornando a questão principal de discórdia política no “Congresso” local. Mais uma vez, semelhanças não são apenas coincidências.
Apesar da boa premissa e de um primoroso trabalho de cenografia, fotografia e customização, a série possui falhas de ritmo e roteiro. Nos primeiros episódios, diferentes plots são lançados ao espectador, sem muito desenvolvimento e com pouca ou nenhuma relação entre eles, dando a sensação de estar assistindo a cinco histórias diferentes em uma mesma produção.
Durante grande parte da temporada essas histórias irão caminhar separadamente, para se entrelaçarem somente nos dois últimos episódios. A estratégia, usada para manter o suspense da trama principal, tornou insuficiente o tempo de tela que foi reservado para desenvolver e aprofundar de forma enriquecedora o plot-twist da história, desperdiçando o potencial do mesmo.
As principais questões levantadas são concluídas e bons ganchos são deixados para a próxima temporada – já em produção e confirmada para 2020. Mas, uma das tramas se mantem aberta e praticamente solta do restante do enredo, o que causa uma estranha sensação de desorganização e inconclusão. Pode-se constatar que a estreia de Carnival Row foi um prólogo, o início de uma história muito mais densa, que já foi pensada previamente por seu roteirista e showrunners para ser desenvolvida em um tempo maior.
Concluindo, Carnival Row entrega uma belíssima direção de arte e uma atual e excelente premissa, cujo enredo possui caminhos positivos a serem explorados. Mas, simultaneamente, tem grandes desafios a cumprir e melhorias a serem executadas no que diz respeito ao ritmo da história, em sua próxima temporada. E é indiscutível que o “vazio” deixado após o final da épica Game of Thrones, segue intacto.
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