A junção do neorrealismo com o cinema moderno brasileiro
Filmes neorrealistas buscam expressar de forma naturalista suas narrativas e personagens, trazendo dramaticidade em meio ao cotidiano muitas vezes visto como desinteressante e vulgar. No caso de Bocaina, filme de Ana Flávia Cavalcanti e Fellipe Gamarano Barbosa, este movimento é recriado adicionando novas linguagens que trazem o ar de cinema moderno ao longa.
Zulma (Malu Galli) e Musk (Ana Flávia) são duas irmãs que vivem isoladas na cidade de Bocaina, interior de Minas Gerais. A rotina delas é dividida entre as tarefas domésticas e atividades rurais sem muitas mudanças, contudo, o ponto de virada do filme se dá na chegada de um forasteiro. Josevelt (Alejandro Claveaux) chega muito doente e precisa de cuidados constantes das irmãs que aos poucos se aproximam do rapaz. O desenrolar da trama se dá na relação do convívio entre os três personagens, que juntos trazem diversas reflexões acerca do tempo, corporeidade e relações.
Tratando-se de uma obra de baixo orçamento com uma equipe enxuta e limitada a filmar com as restrições da pandemia, a engenhosidade do filme se dá em sua forma. O cinema de guerrilha é um ambiente de construção coletiva e com múltiplas possibilidades de experimentações criativas, e foi neste formato que se concebeu Bocaina.
A modernidade da obra acontece em diversos campos. O uso do silêncio como norteador da narrativa, as expressões performáticas corporais, os cortes não lineares e o avião não diegético no céu, são apenas alguns elementos de inovação em linguagem fílmica explorados na obra.
Com a criatividade alimentada pela ânsia do amanhã em um mundo suspenso na pandemia, Bocaina é o exercício livre da potência do cinema de guerrilha brasileiro. Um formato que quando bem realizado, faz jus ao mérito do reconhecimento de sua autenticidade pelos grandes festivais de cinema internacionais.