Por Fabiana Lima

Polêmica e Paul Verhoeven sempre andaram lado a lado. De Instinto selvagem (1992) ao mais recente, Elle (2016), o diretor costuma não poupar o espectador de cenas chocantes e, sempre que pode, une sexo e violência em suas narrativas, conhecidas por serem intrinsicamente subversivas. Em Benedetta (2021), subversão parece ser a palavra de ordem que irá guiar o cineasta pelas críticas que tece à Igreja Católica e seus simbolismos. Verhoeven tenta romper com a ideia imaculada por trás da simbologia cristã e expõe os males históricos da instituição, tentando dessa forma ilustrar uma história para além do amor proibido – e, à época, absolutamente reprovável – entre a protagonista e a personagem Bartolomea para adentrar questões morais, sociais e históricas no cenário renascentista italiano do século XVII, cruelmente acometido pela peste negra.

Ao menos era assim que Verhoeven gostaria que Benedetta fosse compreendido. No entanto, para mim e para muitos as questões mais complexas, que seriam o cerne para destravar todo o potencial dramático do filme, acabam se perdendo em meio ao exagero do diretor, que pesa a mão – desde à artificialidade desconcertante dos sonhos eróticos e religiosos que Benedetta tem com Jesus Cristo, até as cenas excessivamente longas e inegavelmente fetichistas entre as personagens principais.

Embora tenha afirmado que a obra não teve a intenção de polemizar esses momentos ou, mesmo, fetichizar o amor vivido entre Benedetta e Bartolomea, apenas de “retratar o mais próximo dos relatos históricos”, seu argumento pouco convence, especialmente quando a câmera caminha pelo corpo das personagens femininas, de forma diametralmente oposta ao que mulheres como Céline Sciamma faz em Retrato de uma jovem em chamas (2019).

Portanto, em que pese o diretor ter objetivos nobres ao denunciar a hipocrisia do Catolicismo e provocar questionamentos de ordem moral sobre a homossexualidade e a liberdade dentro dos espaços religiosos sufocantes, ele o faz com o olhar de homem, um male gaze, por meio do qual as mais nobres intenções resultam ao final em uma exploração vazia dos corpos das protagonistas como instrumento/meio de desconforto, que preza mais pelo choque do que pela narrativa.

Basta perceber como a relação entre as duas é construída de forma acelerada, abrupta. Se em uma cena Benedetta elogia a beleza de Bartolomea, na próxima esta já se aproxima da protagonista apalpando sua bunda em meio a um cântico religioso na presença das outras freiras. O vínculo entre elas é desenvolvido de forma superficial, e a cada novo sonho da personagem que dá nome ao filme há uma quebra desastrosa da tensão que vinha sendo anteriormente desenvolvida.

É necessário pontuar que um filme que soube construir a tensão bem melhor, em uma conjectura parecida, foi Desobediência (2017). Dirigido por Sebastián Lelio, a história de duas judias – que recordam uma paixão proibida quando uma delas retorna à cidade natal para o funeral do pai – é muito mais eficaz em testar os limites entre a fé e a sexualidade do que faz Benedetta com suas interrupções desconcertantes, que tornam o filme uma mistura disfuncional entre romance de época, thriller erótico e drama meia-boca.

Vale ressaltar que Sebastián Lelio também peca na direção fetichizada, assim como Verhoeven. No entanto, ao menos nesse caso a tensão está ali. Em Benedetta, a hipersexualização das personagens e o desenvolvimento mínimo delas faz com que Verhoeven não suceda em nenhum dos caminhos que tenta obter.

Se em um primeiro momento o filme falha em construir a tensão e trata a história das duas com deveras simplicidade, no segundo não consegue convencer que a história, na verdade, não se trata da relação das duas em si. Por isso, quando achamos que estamos sendo fisgados pela história, há uma nova quebra – dessa vez, de objetivo.

Talvez a culpa venha da direção fetichista, da montagem que falha em construir uma sequência mais lógica e de uma tensão mais convencível ou, ainda, de uma fotografia muito limpa, com escolhas de ângulos e proporção contraditórios à temática. Muitos culpados para um longa-metragem, no máximo, mediano. Fato é que o seu fator mais forte é mesmo a atuação, que nos convence em momentos em que nenhum outro aspecto seria capaz de convencer. Trata-se de uma história rica, mas contada de maneira pobre.

O diretor cai nos mesmos problemas de sempre: a hipersexualização de suas personagens femininas, que beiram o fetichismo exagerado, em detrimento de uma narrativa melhor desenvolvida. A personagem de Benedetta tem um potencial incalculável e, embora eu não tenha lido o livro de Judith C. Brown, me resta pouca dúvida sobre o quão complexa ela poderia ter sido em uma adaptação cinematográfica.

No entanto, aos olhos do diretor, foi reduzida a um objeto de fetiche, que serve ao olhar heterossexual masculino seus desejos e seu corpo, com uma justificativa que fica em segundo plano durante todo o filme, até os minutos finais: a Igreja Católica foi cruel com ela, e é cruel até hoje pelas mesmas razões, mudando apenas o século.

Em razão de uma crítica que fica em segundo plano, muitos serão capazes de perdoar momentos de completo desastre. O objetivo louvável de condenar a Igreja Católica por sua hipocrisia em assumir a posição inquisitória histórica – diante do julgamento de uma mulher que explorou sua sexualidade por amor, enquanto sonhava com um Jesus castrado como seu defensor incondicional – continua para mim longe de ser o suficiente para justificar a exploração dos corpos femininos na tela.

Seja pela dor ou pelo gozo, Benedetta é uma tentativa falha de evocar sensações por meios de cenas eróticas ou catárticas, as quais recaem muito mais no “choque pelo choque” do que possuem valor para o desenvolvimento. É um trabalho um tanto lamentável, que apenas parece crescer quando visto separadamente, diante do que fica nas entrelinhas. O problema é que, com tanta distração, fica muito difícil enxergá-las.

 

 

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