A frase de Glauber Rocha consegue condensar de forma excepcional a principal mensagem passada em Bacurau, filme dirigido por Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. Vencedor este ano no Festival de Cannes foi o segundo filme brasileiro a ganhar na categoria “Prêmio do Júri”, que em 1962 premiou “O Pagador de Promessas”.

O filme é uma distopia onde, no futuro, um povoado do sertão brasileiro chamado Bacurau, começa a sofrer com peculiares acontecimentos após o falecimento de Carmelita, matriarca local. O numeroso elenco conta com nomes como Sônia Braga, Udo Kier, Karine Teles, Silvero Pereira e Bárbara Colen, em uma trama onde não há “papel principal” ou “jornada do herói” e sim, um arco a ser desenvolvido pela comunidade como todo. Em Bacurau todos têm uma função a ser desempenhada.
Silvero Pereira in Bacurau (2019)

A produção, que mistura gêneros como western e terror gore com marcantes traços autorais, dividiu a crítica internacional; muitos alegaram que o filme possui um tom regionalista que será compreendido em seu ápice somente por brasileiros. Tal argumento tem fundamento, mas não tira a importância da história que está sendo contada. Em Bacurau ela acontece em uma pequena comunidade no Nordeste brasileiro, mas poderia ocorrer – dentro do universo da história – em um pequeno povoado de qualquer outro local menos abastado.

O que realmente pode fazer diferença entre o espectador brasileiro e o estrangeiro, é o entendimento crítico que as camadas mais “profundas” do filme trazem. Mesmo que seja possível assistir ao filme somente como “entretenimento”, fica difícil não enxergar as críticas sociais e políticas contidas no enredo, principalmente se considerarmos o atual cenário político do país. Aliás, é triste e também curioso que um filme cujo projeto tenha se iniciado em 2009, dialogue tão diretamente com a problemática realidade de 2019.

Claramente divido em três atos, o enredo desenvolve-se de forma coerente, apesar do seu ritmo oscilante. Chama atenção a distinção feita entre personagens estrangeiros e os moradores de Bacurau; enquanto os vilões estrangeiros são extremamente caricatos chegando a pronunciar um inglês de qualidade duvidosa, as personagens brasileiras possuem personalidades densas e complexas, com destaques para o bandido transexual Lunga, interpretado por Silvero Pereira, e claro, a médica Domingas, em mais uma brilhante atuação de Sônia Braga. O tom caricato poderia incomodar, mas funciona como um elemento enfático de diferença entre os dois núcleos, adicionando carga dramática à história.

É extremamente gratificante assistir ao cinema nacional sair do seu lugar “comum”, se reinventando e apresentando uma obra de boa qualidade, sem perder seu potencial crítico. Os diretores conseguiram, com êxito, elaborar um cinema autoral com caráter regionalista, e ainda adicionar a questão política, tão presente nas obras de Kléber Mendonça Filho. Bacurau é um filme que deve ser assistido por todos, pois fica cada vez mais claro que as semelhanças entre “a pequena Bacurau” e o grande Brasil são muito maiores do que se é possível conceber.

Obs: Durante os créditos ao final do filme, os diretores exaltam em uma mensagem na tela o número de empregos gerados pela produção e seu engajamento cultural. Em tempos onde a indústria cinematográfica nacional está sendo tão atacada, realmente não é demais mostrar tal informação.

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Como TARANTINO Filma uma Cena?

Amanda Luvizotto é arquiteta, crítica de cinema formada pela Academia Internacional de Cinema do Rio de Janeiro. Integrante do grupo Mulheres no Terror, estuda sobre o papel da mulher no cinema e tem na leitura um de seus grandes prazeres. Estudante de cinema e eterna fã e defensora de Xavier Dolan.