A Década de 1960 foi um período de grandes mudanças. Anos de choques culturais, quando o rock se reinventava, a guerra do Vietnã e a Guerra Fria se desenrolavam, a pílula anticoncepcional virava moda e o estilo hippie florescia. Essa podia ser uma introdução ao documentário Summer Of Soul, mas é do novo filme de Richard Linklater, que se baseia também em um evento marcante da época e o associa à própria vida do protagonista. Ou do próprio diretor.

Voltando para as animações depois de Acordar Para A Vida e O Homem Duplo, Linklater retrata aqui como era ter 10 anos no Texas de 1969: treinamentos nas escolas sobre como se proteger de bombas se escondendo embaixo de uma mesa, propagandas da NASA por todo canto, astronautas tratados como heróis, cujos nomes todos sabiam, e muitas referências diretas às séries de TV e filmes da época. Risco de morte, patriotismo e entretenimento: uma delícia.

Embalado por inúmeras canções do período, o filme explora a dinâmica familiar de Stan, a relação com os muitos irmãos (hey, ele é um baby boomer) e, bem, uma aventura na qual o garoto é chamado para ser a primeira pessoa a pisar na lua, um teste necessário para que os americanos enviassem Armostrong e companhia em segurança.

É inegável que Linklater escreve diálogos divertidos, sendo esse apuro um dos pontos que engrandecem a carreira do roteirista (“Não mandamos um macaco porque você fala mais palavras no nosso idioma.”). A narração do filme é nostálgica, ao estilo da série Anos Incríveis, mas sem o sarcasmo do Kevin Arnold adulto na representação da rotina de um adolescente do subúrbio americano.

Em Boyhood, o diretor também ilustrava a vida cotidiana, mas o fazia de forma tão íntima que o resultado foi um quase involuntário um estudo sobre o amadurecimento em um ótimo filme.

Em Apollo 10 e Meio, no entanto, ele aproveita as memórias da própria infância para construir uma crônica bonitinha em rotoscopia (técnica de animação que usa filmagens como base), mas recheada de filtros nostálgicos cujo conflito inexiste e a doçura não é o suficiente para ganhar destaque na memória do espectador.

O “10 e Meio” do título faz referência à missão secreta, ocorrida entre Apollo 10 e Apollo 11, mas também à idade do protagonista. O que foi real, o que foi imaginado? A resposta está na fala da mãe: “vocês sabem como é a memória”, diz ela ao defender que o garoto vai dizer que lembra do pouso na lua, apesar de ter dormido no sofá.

Para Linklater, a aventura do menino de 10 anos do Texas pode não ser ir ao espaço, mas ter vivido tudo aquilo. Cria-se um afeto tão grande de certos detalhes da memória, que relembrar a infância é imaginar ter realizado um grande feito, como pisar na lua. Para quem vê de fora, no entanto, assistir a essas memórias às vezes pode fazer com que bata aquele sono, assim como ocorreu com Stan e os irmãos diante da tv.

 

 

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COMO FILMAR LUTAS?

 

Messias Adriano
Concluiu cursos ministrados por Pablo Villaça e o Curso Básico de Cinema da Casa Amarela (Universidade Federal do Ceará). Assiste muitos filmes, lê muito sobre cinema. Embora saiba que pra vencer importa mais campanha do que qualidade, sempre se empolga com temporadas de premiação.