O livro “Como A Geração Sexo, Drogas e Rock’N’Roll Salvou Hollywood” é um dos mais famosos sobre a chegada da nova Hollywood. Você deve saber que esse momento trouxe nomes como Martin Scorsese, Peter Bogdanovich, Francis Ford Coppola e tantos outros.

Contudo, alguns dos fatos mencionados são relatados de forma duvidosa, equivocada e passível de críticas. Como, por exemplo, quando o autor Peter Biskind escreve sobre Spielberg: “Spielberg nunca se considerou um cineasta de verdade. Ele não queria ser o filho de Jean-Luc Godard…Steven era o único que saía correndo para comprar as revistas especializadas na indústria. Estava sempre falando sobre bilheteria e renda” (pág. 272). Mas logo em seguida conta que “Como Spielberg recorda: Eu não sabia mais quem eu era. Queria fazer um filme que deixasse uma marca não na bilheteria, mas na consciência das pessoas. Eu queria ser Antonioni….” (pág. 276).

Não fica claro para o leitor se o diretor pretendia ser um autor na indústria ou se estava somente interessado no dinheiro. O livro possui informações assim, principalmente na introdução, quando trabalha com a ideia de Bonnie e Clyde: Uma Rajada de Balas (1967) serem o símbolo da nova Hollywood.

Cada vez mais eu me convenço que a história do cinema é algo muito recente. Comparado com o teatro, fica visível a diferença de décadas. Isso é pertinente porque ajuda a compreender a quantidade de material didático que repassa informação equivocada sobre movimentos, estilos e indivíduos. O período pré nova hollywood faz parte desse conjunto e gostaria de enunciar alguns e comentar sobre.


1. A MAIOR BILHETERIA

O filme dirigido por Arthur Penn é sistematicamente citado como o filme símbolo da mudança do cinema americano. Não vou entrar na questão subjetiva da obra e dizer se é boa ou não. O que me interessa são fatos. Muitos argumentam que o simbolismo se dá ao fato de ter sido a maior bilheteria do ano, visto que os estúdios estavam faturando pouco.

E, em parte, isso é verdade, embora houvesse algumas exceções como ”A Noviça Rebelde” (1965), foi um momento em que os grandes executivos viviam com grandes preocupações com o orçamento. Porém, Bonnie e Clyed não foi a maior bilheteria da época. Caso alguém deseje colocar esse título em algum outro filme, deveria ser “A Primeira Noite de Um Homem” (1967). Confira:

 

Bilheteria de Bonnie e Clyde

Agora veja:

Bilheteria de A Primeira Noite de um Homem


É possível argumentar que
, mesmo assim, o longa de Arthur Penn fez muito dinheiro (tendo em vista o custo e a expectativa de retorno). E é um fato. No livro, Peter Biskind escreve que “Em 1967, dois filmes Bonnie e Clyed – Uma Rajada de Balas e A Primeira Noite de um Homem, fizeram a indústria tremer.”

Meu problema com esse trecho é fazer o leitor acreditar que esses filmes foram os maiores sucessos. E não foram. Até porque Bonnie e Clyed só viriam a se tornar famosos no segundo lançamento, em dezembro. Por isso, escolher essa obra levando em consideração a bilheteria é um tanto arbitrário.

Até porque nem foi o segundo maior sucesso. É claro que não quero fazer um revisionismo free style para tirar os méritos de Bonnie e Clyed, pelo contrário. O clássico pode ser visto como um marco, mas o argumento precisa ser melhor. Biskind transmite essa informação de forma rasa, ao tempo que deixa outras de lado.

O objetivo de questionar isso é pelo fato de Adivinhe Quem vem para Jantar (1967) ter feito uma bilheteria maior e não ser considerado.

Bilheteria de Adivinhe Quem vem para Jantar



2. A NOVIDADE DE BONNIE E CLYED

É claro que quando falamos em um “novo” cinema americano, estamos falando de uma novidade. Para ilustrar isso através de um contraste, Biskind escreve “Os estúdios ainda despejavam nas telas filmes estereotipados, uma sucessão interminável de películas de Doris Day e Rock Hudson…”

O objetivo do autor ao fazer isso é exatamente demarcar essa mudança que viria a acontecer com um estilo fílmico totalmente novo, em detrimento da fragmentação do poder dos grandes estúdios de Hollywood.

E é correto afirmar isso. As obras foram majoritariamente influenciadas pela Europa (em grande parte pela Nouvelle Vague Francesa) e um novo tipo de público se formava com o crescimento dos drive-ins e com as mudanças políticas e sociais ao redor do mundo. E Bonnie e Clyed podem ser vistos como ideias que pertenciam a esse conjunto. Não à toa o roteiro foi oferecido a François Truffaut.

No entanto, a forma como Peter Biskind escreve dá a entender que o período estava preenchido somente com filmes de Doris Day e Rock Hudson, o que é uma mentira (e ele sabe disso).

Billy Wilder fez Se Meu Apartamento Falasse (1960), John Frankenheimer fez Sob o Domínio do Mal (1962) e Sete Dias de Maio (1964), Alfred Hitchcock fez Psicose (1960) e Os Pássaros (1963), Mike Nichols fez Quem Tem Medo de Virginia Woolf? (1966), Samuel Fuller fez O Beijo Amargo (1964) e Paixões que Alucinam (1963). Fora outros que poderiam ser citados.

E se formos destacar pela influência europeia, poderíamos citar o que fez Sidney Lumet em O Homem do Prego (1964) e Arthur Penn com Mickey One (1965). São dois filmes que retratam a influência do velho continente. Esse último, então, é mencionado no livro somente pelo fracasso de bilheteria e não pelo estilo.

Todos os citados possuem características modernas, europeias ou ligação com a juventude da época. É claro que foi um período difícil para as majors americanas, mas foram produzidas obras primas que fertilizaram o terreno para a mudança chegar.


3. CONCLUSÃO

De forma alguma eu quero tirar os méritos do livro, pelo contrário. É altamente divertido, interessante e útil para pessoas que gostam de cinema. Porém, como material histórico possui algumas falhas e informações rasas que levam o leitor a tirar conclusões precipitadas.

Bonnie e Clyde merecem um lugar de destaque quando analisamos o período. Porém, acredito que a história do cinema nunca pode ser feita de forma simplista, sem levar em consideração o que já foi feito.

Do contrário, caro leitor, continuaremos apagando pessoas e filmes que foram importantes para a sétima arte.

 

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COMO CRIAR HEROÍSMO ?

Estudou cinema na escola Cinema Nosso e é formado em Estudos de Mídia. Roteirista, futuro diretor e colecionar de HQ. É editor chefe do Canal Claquete. Odeia arrogância no cinema.