Como salvar uma franquia composta por cinco filmes anunciados, quando já no segundo o resultado é um completo desastre? Como manter e superar a expectativa de fãs que
acompanham o mesmo universo fantástico há mais de duas décadas? Como substituir o ator que interpreta o principal vilão da trama sem prejudicá-la? Como encher salas de cinema ainda que a criadora da história dê declarações transfóbicas frequentemente? Podemos concordar que os desafios de Animais Fantásticos: Os segredos de Dumbledore definitivamente não eram poucos.

Os oito longa-metragens da saga Harry Potter são adaptações das obras literárias de sucesso, com roteiros assinados pela escritora em parceria com Steve Kloves, à exceção de Harry Potter e a Ordem da Fênix, cujo trabalho foi executado por Michael Goldenberg. Em Animais Fantásticos, JK Rowling elimina a etapa de desenvolvimento literário do processo, e vai diretamente para a elaboração do roteiro cinematográfico.

É inegável que a inexperiência de Rowling com a linguagem audiovisual afetou negativamente o resultado dos primeiros filmes da franquia, principalmente o segundo, Os Crimes de Grindelwald, em que furos narrativos e temporais foram rapidamente apontados pelos fãs, e suas demais falhas sinalizadas pela crítica.

Em Os segredos de Dumbledore, a Warner, estúdio responsável pelo longa-metragem, coloca novamente Steve Kloves para elaborar o roteiro – uma tentativa distinta e genuína de consertar os erros cometidos e evitar novos, deixando o caminho para os próximos filmes mais suave.

A diferença é sentida pela audiência, que assiste uma obra mais dinâmica (ainda que sua duração seja maior que o necessário), sem o exagero de fan-service presentes no filme anterior e determinada a preencher todos os possíveis furos narrativos, sem deixar pontas soltas a serem questionadas.

Neste terceiro filme, acompanhamos Grindelwald articulando-se junto aos seus seguidores para assumir o comando do mundo bruxo. Ciente do perigo que isto representa, Dumbledore pede ajuda a Newt e seus amigos para impedir tal acontecimento, já que o próprio não pode agir contra o bruxo.

Durante este processo o passado não apenas da família de Dumbledore mas também de seu envolvimento com Grindelwald vem à tona. A dinâmica política do filme e suas tentativas de eugenia e segregação entre bruxos e trouxas assemelha-se com ideais defendidos pelo movimento de extrema direita e, dado o período em que a obra se situa, faz paralelos diretos com o movimento nazista alemão e o fascismo italiano de Mussolini.

Ainda assim, o roteiro falha em não desenvolver melhor as conexões entre os personagens e suas motivações. Mesmo explorando a tóxica relação entre Grindelwald e Dumbledore, que é uma espécie de linha-guia não apenas do filme mas de toda a franquia, outros vínculos são apresentados superficialmente, dada a importância que possuem na trama.

Para citar alguns exemplos: a relação entre os irmãos Dumbledore, Albus e Aberforth, e o relacionamento romântico entre Newt (Eddie Redmayne) e Tina (Katherine Waterston); a atriz aparece em pouquíssimas cenas e takes, e não tem nenhuma participação no desenvolvimento da história, o que inclusive levantou especulações à respeito da permanência da personagem na trama.

Outra falha que chama atenção, principalmente se compararmos à obra com a franquia
predecessora, é a escassez de espaço e camadas dada aos seguidores do núcleo direto de Grindelwald. Se em Harry Potter o espectador é capaz de odiar Belatrix e suas motivações tanto quanto o próprio Voldemort, em Animais Fantásticos mal sabemos o nome dos personagens do núcleo vilanesco.

Mas a decepção garantida é destinada ao público brasileiro que esperava ver imagens de seu próprio país na obra, além da atuação de Maria Fernanda Cândido. Vicência Santos, bruxa interpretada pela atriz, possui pouquíssimas cenas ou falas de destaque; mas aparentemente a mesma ainda terá um papel de grande importância para a história nos próximos filmes.

O grande destaque positivo da produção fica à cargo das atuações e elenco; Redmayne está em seu melhor momento como Newt, mais maduro e menos caricato, enquanto Dan Fogler rouba todas as cenas em que aparece, como alívio cômico ou não. A comentada substituição de Johnny Depp pelo brilhante ator dinamarquês Mads Mikkelsen não poderia ter sido executada de melhor forma, fazendo o público questionar se o ator inclusive não deveria estar presente desde o primeiro longa-metragem. Sua química com Jude Law (também excelente como o atormentado e magoado Dumbledore) é inegável e as cenas entre ambos são um deleite para o espectador.

Importante frisar que Jessica Williams e sua carismática Lally Hicks ocupam muito bem o vazio deixado por Tina, de Katherine Waterston. Concluindo, Os segredos de Dumbledore está distante de ter solucionado todos os problemas ou salvado de vez a franquia Animais Fantásticos.

Porém o longa funciona muito bem como uma espécie de filme de intersecção para as obras seguintes. Sem dúvidas trouxe um pouco de ânimo, esclarecimento e nostalgia ao antes descrente fã do universo bruxo.

 

Nota: A autora deste texto crítico é completamente contra as declarações e posições transfóbicas declaradas e apoiadas pela escritora JK Rowling em suas redes pessoais e repudia qualquer forma de discriminação.

 

 

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Amanda Luvizotto é arquiteta, crítica de cinema formada pela Academia Internacional de Cinema do Rio de Janeiro. Integrante do grupo Mulheres no Terror, estuda sobre o papel da mulher no cinema e tem na leitura um de seus grandes prazeres. Estudante de cinema e eterna fã e defensora de Xavier Dolan.