Por Anna Beatriz
O filme é baseado na obra de Marcelo Rubens Paiva, destrincha o sequestro e o desaparecimento do ex-deputado estadual Rubens Paiva, personagem delicadamente interpretado por Selton Mello e os eventos posteriores ao seu sequestro/desaparecimento. Dentro desse contexto, a sua esposa Eunice, interpretada através de uma atuação impecável da Fernanda Torres, é peça principal da luta que travou contra o estado brasileiro para que fosse reconhecido o sequestro, o desaparecimento e a morte de seu marido durante o período de ditadura militar.
Porém, Walter Salles utiliza esse contexto mais para retratar as reações e o desespero de Eunice e de seus 4 filhos com o sequestro e o desaparecimento de Paiva (Selton Mello). É impossível negar que Salles também tenha utilizado do conceito do fascismo dentro da Elite carioca, o que acaba trazendo todo o clima de suspense e apreensão durante boa parte do filme, deixando claro que por maiores que sejam os privilégios o perigo ainda sondava e rondava nas ruas, no trabalho e principalmente a cada telefonema recebido.
O suspense é deixado de lado quando o drama da prisão de Eunice e de sua filha, o desaparecimento sem respostas de Rubens começam a dar espaço para o sentimento de trauma, tristeza e melancolia que a família viveu por anos.
Salles se esforça e consegue transmitir toda a sensação de insegurança, medo, de ameaças e até mesmo de perseguições durante o regime militar contra a família Paiva, que diante de toda repressão e hostilidade, conseguiram, ainda no auge de seus privilégios, mudar-se do Rio de Janeiro para São Paulo a fim de se recuperarem do desaparecimento e consequente morte do pai e marido.
Mas a mudança do Rio de Janeiro para São Paulo não alterou o pensamento de Eunice, que necessitava de respostas. Uma mulher que durante boa parte da vida foi uma dona de casa de classe média alta passou a ser uma das maiores vítimas da ditadura militar e símbolo de luta contra o regime.
Dessa forma Fernanda Torres consegue ser tão profunda e intensa ao conseguir representar um sentimento não vivido pela atriz de forma tão genuína, conseguindo ultrapassar as barreiras de uma simples atuação dramatizada, tornando-a sentida e verdadeira, fazendo com que o espectador acredite vividamente de que a Fernanda Torres tornou-se a Eunice Paiva durante as mais de 2 horas de filme.
Ainda estou aqui tem uma fotografia impecável, além de um jogo de câmeras e luzes que realmente transportam o espectador para dentro do filme, para dentro daquela energia e daquele ambiente que não é nada agradável.
Sendo assim, Walter Salles acerta mais uma vez 25 anos depois, colocando Torres no mesmo patamar que sua mãe, Fernanda Montenegro, que faz uma sinuosa e silenciosa participação no filme, mas que é o suficiente para deixar o espectador emocionado e sem palavras.
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