O cinema enquanto arte é capaz de provocar uma gama de sentimentos no espectador. O que o diretor Petrus Cariry faz em A Praia do Fim do Mundo é a busca pela catarse, construída por meio de um controle da tensão crescente, subvertendo imagens preconcebidas de um litoral quente e afetuoso por uma trama tenebrosa que flerta com o horror.
Alice (Fátima Muniz) vive na cidade praiana Ciarema, onde o avanço do mar ameaça a sobrevivência dos moradores do local. Reconhecendo a decadência e iminência de desabamento da própria casa, o desejo da jovem é se mudar, mas a mãe Helena (Marcelia Cartaxo), insiste em permanecer no imóvel.
A textura da fotografia é um preto e branco de alto contraste, ressaltando as sombras de uma natureza que pode ser, ao mesmo tempo, bela e impiedosa. Os enquadramentos ajudam a transparecer esse sentimento de grandeza e remetem quadros romancistas nos quais essa natureza se faz presente de forma muito, muito maior que o ser humano.
Seja quando Alice está em frente a um mar imenso, ou quando ela e a amiga Elisa (Larissa Góes) estão conversando em um parque, a imagem humana constantemente aparece diminuta nos cantos do quadro, enquanto a natureza imponente toma conta do restante.
E essa grandiosidade é transmitida mesmo que se trate de um filme cuja janela de exibição seja 1:37:1 (formato de tela quase quadrado), uma forma inventiva de retratar o aprisionamento daquelas pessoas, mesmo diante de cenários que normalmente são expostos no cinema como horizontes infinitos.
A casa se deteriorando aos poucos e a mãe lânguida, quase como se estivesse presente em um velório, ajudam a aumentar o nível de agonia da situação. Cartaxo faz um bom trabalho em externar uma personagem contida e misteriosa, mas é Fátima Muniz quem brilha com a naturalidade da dicção do texto e a imponência corporal com a qual se porta diante dos acontecimentos.
Petrus Cariry se mostra detalhista na construção da mise-en-scène. À medida que a trama avança, há um afastamento físico da mãe e da filha, que jantavam uma ao lado da outra no início, mas ao final sentam uma em cada ponta da mesa. Além disso, a mãe Helena é quase sempre enquadrada de forma que fotos e retratos antigos sejam cuidadosamente postos ao redor da personagem, que insiste em se prender ao passado.
O que nos leva aos símbolos do filme. De forma instigante, a narrativa conduz uma alegoria profética de alerta que remete ao recente mãe!, de Darren Aronofsky.
Se há uma evidente incapacidade do homem em lutar contra a natureza, as sementes de uma nova geração são plantadas de forma cíclica. Conciliando isso com a passagem bíblica referenciada frequentemente na obra, assim como Jonas tentou fugir da missão, passou três dias dentro de uma baleia antes de ser convertido, o inesperado filho que Alice carrega no ventre talvez esteja passando pelo mesmo processo de purificação, sendo depois responsável por trazer arrependimento e salvação para o povo.
|| LEIA AS CRÍTICAS DOS FILMES DO 31º CINE CEARÁ AQUI ||
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