Existem filmes que tentam ser sutis, mas que entregam tantos detalhes de forma óbvia e com o desejo de soarem inteligentes, que acabam parecendo uma pessoa ao lado do espectador cutucando com o cotovelo, piscando e dizendo: “Tá vendo aí? Percebeu o que eu fiz?”. Este definitivamente não é o caso de A Piedade, visto que ser sutil não parece ser nem de longe a intenção do diretor espanhol Eduardo Casanova. E essa honestidade é muito bem-vinda.
Na Espanha de 2011, Libertad (Ángela Molina) e Mateo (Manel Llunell) vivem uma relação venenosa de mãe e filho. Carregando a linguagem do amor do tipo “serviço” multiplicada por três milhões, Libertad exerce um poder assustador para dispor de uma total dependência do rapaz.
O minimalismo aqui passa longe. Imagine uma mistura de Trama Fantasma, O Quarto de Jack e do português Diamantino, mas sob efeitos de drogas estimulantes. O estranhamento desse mundo paralelo parte dos planos rigidamente simétricos e das cores chamativas, com destaque para o cinza e o rosa, representando a dicotomia entre pai e mãe, mas também do preto, visto que a cor escura é vista em todas as janelas, em banheiros ou em viagens de carro, retratando um mundo exterior tão desconhecido como um grande buraco negro.
A travessura absurdista escancarada se faz presente também nos diálogos e direção de arte. “Você tem um câncer na cabeça”, diz o médico para Mateo momentos antes de Libertad ser acusada de ser um câncer na vida das pessoas. A sopa servida nas refeições é asséptica, aguada e sem graça.
Em uma passagem situada na Coreia do Norte, vê-se que os personagens estão sobre um palco, quando cenas anteriores do telejornal informavam que transeuntes do país viviam em uma espécie de ”grande set montado”. Eu tenho a impressão que se o diretor Eduardo Casanova visse aqueles posts de rede social exaltando que “menos é mais”, jogaria o celular na parede com ódio.
A montagem, óbvio, é dinâmica, enérgica, e isso favorece o humor presente nos diálogos de simples plano e contraplano. “Seu filho tem câncer.”, diz o médico. “Então eu tenho câncer?”, responde a mãe.
A escolha temática e estética como placas luminosas indicando “olhem para mim!” poderia tornar A Piedade um filme é difícil de sustentar, visto que existiriam grandes chances de, na hora da desaceleração, a qualidade satírica diminuir ou caminhar em círculos repetitivos. No entanto, a direção exerce um controle que mantém a atenção sempre presente em 220 Volts, pois avança com a história de forma instigante, evitando reprisar o já visto.
Portanto, essa brincadeira envolvendo maternidade tóxica é sustentada até o fim, como um carro potente que sobe um vale íngreme com tranquilidade, divertindo os passageiros, mas ao chegar no cume, desce a ladeira na maior velocidade possível e sem pisar no freio, agora causando espanto.
É mais ou menos essa a sensação da última cena de abstinência de Mateo. Dessaturando cores e trilha sonora, acaba-se o tom de graça: agora é real a sensação de sofrimento.
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