Imagens sobrepostas, sons ininteligíveis de pessoas falando, prédios antigos e gravações de arquivo envelhecidas. O contrataste desses primeiros segundos do documentário A Meia Voz vem com imagens de paisagens em altíssima definição, quase iguais às exibidas nas televisões expostas à venda em lojas de shopping.

“Procuro uma imagem”, diz uma das narradoras logo no início. Pouco a pouco, vamos descobrindo que o filme conta a trajetória de duas cineastas cubanas, Patricia e Heidi, o que as uniu e as circunstâncias que as separaram

Não há letreiros, ou entrevistas. Como abrir uma boneca russa, a cada passo que o documentário dá, mais se descobre sobre aquelas pessoas, o que faziam, como se separaram, tudo por meio de uma charmosa troca de correspondências por vídeo. Ambas moravam em Cuba, até que para uma surgiu a oportunidade de ir à Europa. Ilegalmente e sem avisar, Patricia decidiu ficar pelo velho continente como imigrante ilegal. Anos depois, foi a vez de Heidi sair da ilha e tentar a sorte em terras estrangeiras.

Os contrastes permeiam todo o filme: a frieza de um centro urbano contraposta à beleza do natural. Um rio cujas águas esverdeadas encontram águas azuis. Janelas de um grande e antigo prédio fechadas justapostas por fotografias de um barracão com pessoas olhando o movimento da rua.

É instigante saber o que acontecerá com cada uma das protagonistas. A fluidez da montagem ajuda no processo de dar um ritmo nunca cansativo, mas sempre atiçador da curiosidade do espectador: imagens de Patricia e Heidi se divertindo no passado são combinadas com as incertezas atuais da vida de ambas.

No entanto, o que mais atrai no documentário é o tom confessional de segredo, de sussurro de uma intimidade que revela um labirinto de dúvidas, inseguranças, pedidos de ajuda e declarações de uma para outra. Como numa sessão de terapia na qual ambas funcionam como paciente/cliente e psicanalista, o texto possui uma força magnética que, unido ao simbolismo das imagens, entregam a real beleza do filme. Por mais batida, narcisista ou estranha que a narrativa possa ser em alguns momentos, ela consegue atingir o objetivo de sensibilização do espectador.

Num misto de conforto e melancolia, A Meia Voz se encerra. As experiências dolorosas trouxeram tristezas, mas também um autoconhecimento necessário à felicidade. Ambas descobriram várias mulheres que haviam dentro de si, algo que talvez jamais tivesse acontecido tivesse a vida tomado rumos diferentes.

A busca pela imagem não se encerra. E se encerrará algum dia? Talvez a dica seja justamente seguir buscando. Buscando, vivendo e, para elas, filmando.


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AS DUAS MELHORES CENAS DE SANGUE NEGRO

Concluiu cursos ministrados por Pablo Villaça e o Curso Básico de Cinema da Casa Amarela (Universidade Federal do Ceará). Assiste muitos filmes, lê muito sobre cinema. Embora saiba que pra vencer importa mais campanha do que qualidade, sempre se empolga com temporadas de premiação.